quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 28/11/2013

Não há nada pior que o medo.  Não há sentimento mais redutor, que nos prenda os movimentos e nos bloqueie a imaginação.  
Ele começou devagar a contar-me os seus receios.  A insegurança que sente desde que deu aquela queda no mês passado que lhe deixou sequelas até hoje.  Para sempre, se calhar, penso eu.  Estarei certa? Tomara que não... 
Diz-me que o desporto fez sempre parte dos seus dias.  Quando era jovem participou em provas de atletismo, na escola.  Depois da tropa e por brincadeira, chegou a atravessar a ponte sobre o Tejo, quando havia maratonas.   Uma vez, fez da promessa do cunhado sua, e foi com ele a Fátima a pé.  Não fossem as forças faltar-lhe a meio do caminho... As coisas ficam mais fáceis se feitas a dois, não acha?  Claro que sim, digo eu que sempre fiz quase tudo sozinha...
A sua profissão de motorista de taxi forçava-o a muitas horas sentado e, aos poucos, o exercício físico  foi ficando para trás por falta de tempo, de vontade, sei lá mais porquê... A verdade é que começou a engordar, a comer mais e pior, a beber álcool e, um dia, o coração, que não é de ferro, ressentiu-se.   A história já vem de trás, na sua família havia alguns casos de doenças de coração, de mortes por enfarte, mas ele pensava que isso nunca chegaria até si.
Começou esta semana os exercícios de fisioterapia. O que mais o entusiasmou foi andar num tapete, apoiado em barras paralelas.  Deu uns passitos curtos, depois mais atrevidos e logo pensou que já conseguia andar.  O pior foi depois, tentou por-se em pé no quarto e logo lhe faltaram as forças na perna esquerda... 
Hoje dizia-me em voz baixa, "Tenho medo, sabe? Não quero cair de novo, ainda sinto as dores cá dentro..."  Respondi que ainda era cedo, que a fisioterapia demora sempre um pouco a ter resultados, que não vale desistir.   Mas sei que não é assim tão certo...  Infelizmente não existem barras paralelas transparentes que nos permitam andar apoiados sem ninguém perceber, senão era o que lhe deixaria no sapatinho, na noite de Natal.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 26/11/2013 (parte 2)
"O que é isto? Onde estamos nós? Que fazemos aqui? " Parecem perguntas desajustadas, depois de termos estado a falar do tempo, dos netos e do cão que vivia com ela desde sempre... percebi que algo se tinha passado entretanto, que tinha viajado de repente para um qualquer lugar que eu não conseguia identificar. Estava ali mas a sua alma tinha-se ausentado e eu não percebera. Questionou-me outra vez "que lugar é este?". "É uma casa quentinha, onde temos comida e uma cama, onde podemos estar com os amigos a conversar, a ver televisão...", respondi eu. Os seus olhos desviaram-se dos meus e fixaram a televisão onde a Tânia Ribas de Oliveira e o João Baião apresentavam o programa da manhã. Então sorriu e, como quem se sente em casa, confidenciou-me "sabe, o João Baião também mora aqui connosco..."
Diário de uma Voluntária 26/11/2013 (parte 1)
Ela avisou-o tantas vezes... Durante trinta e cinco anos de casados fez do cuidar dele a sua prioridade. Para ela nada era mais importante do que o seu bem estar. A sua saúde, os cuidados com a alimentação, o repouso e até os caprichos estavam à frente de tudo o resto. Era criticada por alguns familiares que achavam que se anulava, mas isso não tinha qualquer importância para ela. Ele não a ouvia, na maior parte das vezes brincava com isso e chamava-lhe "mãezinha". Ela não desistia e na refeição seguinte, de novo, mostrava-lhe porque estava na vida dele.
Hoje conheci-o. Está sentado numa cadeira de rodas na sala da televisão. Chama-se Manuel, nome real e também plebeu, e diz-me que eu sou uma "graça". Quer contar-me porque está aqui. Quer justificar a queda que deu há uns dias. Repete vezes sem conta que devia ter dado ouvidos à mulher, que devia ter seguido os conselhos dela, mas ela já cá não está para o ouvir... 
Tenho para mim que se a gente pudesse redesenhar a nossa vida não haveria espaço para o arrependimento nem para a dor...
Nada como uma boa conversa para nos fazer sentir vivos.  Falar sobre as coisas é, por vezes, quase tão bom quanto vivê-las.  Se à conversa pudermos acrescentar um copo de um bom vinho ou uma garrafa de cerveja, então não há como resistir.  Desta vez não houve nem vinho, nem cerveja, apenas tu e eu.  Já não conversávamos assim há algum tempo, nos últimos meses tem sido sempre a correr, ou estás a trabalhar, ou estou eu ocupada nas minhas tarefas, ou vamos as duas a conduzir.  Hoje tivemos todo o tempo para nós.  Falámos de muita coisa, do ontem, do agora, um pouco também do amanhã - não somos muito de planos, eu sei, tem de ser com muito cuidado, eu também sei...  mas tu só tens 25 anos e um futuro com sonhos inteiros dentro dele (que se vão realizar, acredita, promessa de Mãe!)
Olho para ti e vejo-te uma mulher segura, que apesar de diariamente conviver com as mais diversas pessoas e situações, sabe qual é o seu lugar e não se deixa deslumbrar.  E eu gosto do que vejo.
Olho para ti e vejo-te a minha menina quando dizes "Mãe, eu e a Inês somos desde sempre a tua prioridade, como agora o Diesel é a minha" quando queres que eu entenda como ele é importante para ti.  E eu entendo e respeito.  
Olho para ti e vejo-te a minha menina quando te aproximas porque é hora de pedir conselhos ou é tempo de desabafos.  Ou precisas simplesmente que te ouçam, sem mais nada.  E eu cá estou, sempre.
Olho para ti e vejo-te a minha menina quando fazes contas à vida e me mostras como dás valor ao dinheiro que ganhas com o teu trabalho.  E eu sinto orgulho nisso.
Olho ainda para ti e vejo-te a minha menina quando valorizas a amizade e o companheirismo de uma forma desinteressada.  Os valores que levaste contigo são para a vida e eu fico feliz por ti.
Olho para nós duas e vejo-nos juntas, desde sempre, cúmplices, atentas, de mãos dadas.  Não dei conta dos 21 anos que vivemos juntas, passaram mais depressa do que eu alguma vez pensei.  Souberam-me a pouco, é o que todos os dias me digo.  Aproveitei-os todos, é também a resposta que me dou... A sorte que tivemos em poder estar na vida ao mesmo tempo, já pensaste?
Nada como uma boa conversa contigo para me fazer sentir feliz.  E com alegria.  Com uma imensa alegria!  

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Era uma vez uma história.  Que começa, como todas as histórias, com um "era uma vez".  Nesta história, como em todas as outras, há gente lá dentro.  Nesta história vive uma menina que cresceu antes do tempo.  Quando nada o fazia prever, a vida dela mudou e a infância ficou lá atrás, num lugar chamado nunca mais.  A escola, as brincadeiras, os amigos e as gargalhadas passaram a ser recordações cada vez mais distantes, como numa fotografia que vai perdendo a cor com o passar do tempo.  Poucos objectos mantém dessa época.   E desses, alguns, por razões que não fazem parte desta história, deixaram de ter corpo e passaram para a categoria das recordações.  Sei que, mais tarde, quando falar às filhas da caixinha de música ou do quadro das borboletas, vai ter que puxar pela memória e pela imaginação...
Voltando à história, um dia essa menina viajou para o outro lado do mundo, deixou o verão do hemisfério sul e encontrou o frio que só conhecia dos livros e da caracterização dos climas.  E o calor da casa dos avós que contrastava com o gelo lá fora.  Que era igual ao gelo que habitava dentro do seu coração.  E que não havia forma de derreter... 
Entretanto o tempo foi passando e a menina conheceu uma outra escola, outros colegas e novos lugares.  Aos poucos foi-se integrando e, quando se deu conta, já não estranhava o rigor do inverno que lhe tolhia os movimentos.  E a imaginação.  Apenas achava o país pequeno para tanta gente, para todos os que, como ela, tinham sido forçados a chegar.  Um país que não se estava a adaptar, que não era elástico e que, tal como o frio, lhe tolhia a liberdade.  Cedo percebeu que era mais fácil ser ela a mudar e a ficar do tamanho do país.  Foi o que fez.  
Era uma vez uma menina pequena que cresceu antes do tempo.  Que aprendeu com a vida que não adianta fazer planos porque a vida é mesmo uma aventura.  Que não vale a pena criar raízes muito fundas, porque em qualquer momento somos surpreendidos com mudanças que não podemos rejeitar.  Que não devemos ser arrogantes porque a vida é uma aprendizagem e nunca sabemos tudo.    Que devemos aceitar o imprevisto e tirar dele o melhor partido.  
Era uma vez uma menina que não desistiu.  Que aceitou o que a vida lhe deu e não se revoltou.  Que aprendeu que melhor do que não cair é saber levantar-se do chão, sacudir a poeira e seguir em frente.  
Era uma vez uma menina que ainda tem sonhos quando está acordada.  E que acredita em finais felizes para as histórias.  
Por vezes, quando me vejo ao espelho, julgo ver essa menina...

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Siguiendo adelante...

Hoje foi um dia igual a tantos outros. Que começou com os bons-dias do sol dentro do meu quarto. Com a reflexão sobre a vida, os projectos, os desejos... e a coragem de continuar, apesar de tudo. 
Os últimos tempos têm sido cheios de desafios e de surpresas. Em cada momento sinto que sou posta à prova como se a própria vida fosse um exame constante. Gosto assim, mantém-me alerta para o que se segue. Faz-me perceber o que realmente importa e o que dispenso sem olhar para trás. Em cada dia sou confrontada com acontecimentos que me mostram qual é o meu lugar aqui. Com pessoas que me revelam os meus limites. Com outras histórias que me fazem perceber a dimensão da minha. A vida é isso mesmo, uma constante aprendizagem.
Todos os dias aprendemos e fazemos escolhas. Mesmo quando parece não escolhermos nada, essa é uma opção. O importante é seguirmos em frente, ainda que insistam em nos dizer que já chegámos lá. Por certo que há ainda muito caminho a percorrer, desafios a ganhar, conquistas a saborear. A vida é tudo isso junto, mesmo! Podemos perder o emprego, o salário, ter de rever as nossas prioridades, ter de passar a fazer contas de somar mais vezes do que antes, mas desistir não é a escolha. Por enquanto. Por muito tempo ainda, espero...
Todos os dias eu encontro dentro de mim a esperança e "sigo adelante" na missão que me propus de dar aos outros o ânimo que nem sempre sinto para mim. E isso tem o efeito de um boomerang, volta para trás e acaba por me confortar. E dar-me força. E alegria. E paz, muita paz! Por isso, quando chega a noite e me encontro comigo mesma outra vez, eu sinto que ganhei. Em não ter perdido a esperança. E que amanhã, quando chegar o novo dia, o truque é seguir em frente. Siguiendo adelante, siempre...

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Coração...





Self-made man

Começou a trabalhar aos 14 anos como estafeta na companhia de seguros.  Fazia recados, corria a cidade de uma ponta à outra transportando caixas e envelopes, ia aos clientes, aos bancos, ao correio.  Nos intervalos ouvia as conversas e ia observando o trabalho dos colegas, aprendendo o que é um contrato de seguro, o que é um prémio, o que é uma cláusula.  Por vezes, fotocopiava às escondidas alguns contratos que lhe pareciam mais interessantes e à noite, em casa, lia e relia o seu conteúdo.  As dúvidas, sempre muitas, ficavam para esclarecer no dia seguinte, com o Chefe de Secção que lhe achava imensa graça e lhe respondia sempre com uma paciência infinita.  Os anos foram passando e a escola feita à noite chegou ao fim.  Acabou o curso comercial e tinha agora um diploma nas mãos que lhe abriria as portas do mundo dos adultos.  Continuava ainda a ser estafeta mas já sabia mais do que muitos colegas, o que lhe permitiu ser admitido na primeira vaga que abriu.  A partir daí foi só crescer.  O Chefe de Secção que o ensinava já se tinha reformado, mas outros houve que prestaram atenção naquele jovem com uma imensa sede de aprender.  E de trabalhar.  Para ele não havia horários.  Também não havia mais nada para além daquilo.  Toda a sua vida estava ali.  Quando se deu conta, estava perto dos 30 e nunca tinha tido uma única namorada.  A bem dizer, nem pensava muito nisso, tal era a obsessão com o trabalho e com a constante formação.  A sua vida toda estava ali.  Um dia reparou na Edite que trabalhava no piso de cima e começou a meter conversa com ela.  Sabia já muito de seguros, mas nada da vida real.  A Edite, também solteira mas já mais experiente, ensinou-lhe o que sabia sobre a vida e os amores e firmou com ele um outro contrato, com outras cláusulas, com outros prémios.  Logo depois, ela deixou de trabalhar para cuidar dos filhos que entretanto nasceram.  Ele ia subindo na escala, promoção a promoção, até que chegou a director.  Para alguns colegas era um case study, mas a maioria achava normal aquela ascensão, talvez por o terem conhecido desde sempre e reconhecerem a enorme capacidade de trabalho que o caracterizava.  Cada vez tinha menos vida própria, a sua família vivia dentro de uma moldura de madeira em cima da sua secretária, entre processos de sinistro, avaliações de peritagens e cotações de novos negócios.  Para ele, tanto a mulher como os filhos ficaram para sempre da mesma idade que tinham quando tiraram aquela fotografia.  Quando se cruzava com eles em casa mal os via, tantas eram as preocupações que lhe ocupavam a mente.  Todos os dias dizia para si próprio que tinha de abrandar o ritmo, era o primeiro a chegar e quase sempre o último a sair, imediatamente antes da empregada da limpeza entrar na sua sala para a rotina diária.  O trabalho era a sua vida.  Não falava de outros temas, tudo começava e acabava na sua profissão.  Um dia os filhos cresceram e seguiram a sua vida.  Até na fotografia do casamento da filha ele ficou com o telemóvel na mão.  Assuntos inadiáveis, ele era insubstituível, dizia, em jeito de justificação.  Não deu conta do nascimento do neto, do envelhecimento da mulher, do tempo que não parou... foi surpreendido por tudo isso, para ele "ainda ontem eram pequenitos e já são pais...", era assim que falava dos filhos que não conhecia.  Um dia o coração do estafeta-director recusou-se a continuar no seu posto.  Ficou parado, sentado na secretária onde passou a maior parte dos seus dias, entre processos de sinistro, avaliações de peritagens e cotações de novos negócios.  E, claro, ao lado da família que o olhava de dentro da moldura de madeira em cima da secretária.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 19/11/2013

Morre-se de tristeza?  Morre-se de doença, de acidente, de velhice, de tédio, de amor, mas... de tristeza? De desalento?  De mágoa?  Acredito que sim.  Não aquele morrer físico de sentir o sangue deixar de correr nas veias ou as células pararem de emitir vida, mas um morrer na alma, um "não quero saber" que nos deixa amorfos para sempre.  A vida até pode continuar, os dias podem seguir-se uns aos outros, podemos até continuar a respirar, a comer, a dormir, mas estamos ausentes para sempre, como se já não estivéssemos cá.  É como está esta mulher, mãe de quatro filhos, que passou fome para lhes alimentar os dias, que deixou de dormir para velar os seus sonos e que, agora, se encontra sozinha, sem telefonemas, sem visitas, sem nada que a faça entender o significado da palavra família.  Contou-me tudo de uma só vez, esta manhã, quando me sentei perto dela e lhe interrompi a solidão.  O único filho que lhe dava algum amor morreu há já alguns anos, subitamente traído pelo coração.  Os outros três, duas raparigas e um rapaz, seguem a sua vida lá fora como se ela não existisse.  O amor filial, o respeito, o cuidado que deveriam sentir por aquela mãe que lhes deu a vida, não tem qualquer significado para eles,  É como se nem soubessem da sua existência.  Como quem morreu há muito tempo atrás, mesmo antes dos seus nascimentos e eles nunca tivessem estado no seu colo, ouvido a sua voz, chorado no seu ombro... Acredito que, nesse caso, a memória da mãe seria terna e lamentariam a sua ausência precoce.  Nesta história, estes filhos nem sabem onde a mãe está, como sobrevive a esta tristeza, como ocupa as suas horas, quantas vezes enxuga as lágrimas.  Fiquei triste com ela.  Solidariamente, tinha mesmo que ser.  Não sei que motivos levaram a este corte de relações, mas penso que a fragilidade da velhice não poderá nunca ser desprezada.  Já me ouvi dizer muitas vezes que a família não se escolhe, é verdade, escolhemos os amigos, os namorados, os maridos - a família é o que nos calha e com quem temos de aprender a viver.  Nem sempre sentimos da mesma forma, muitas vezes até vemos a nossa família valorizar mais os de fora do que os da casa, mas nada justifica abandonar uma mãe, velha e doente.  Fiquei triste por ela.  Por eles também, que não entendem que o que importa mesmo são os afectos.  E lembrei de novo aquela capa de jornal de um destes dias que alertava para que, muitas vezes, a violência sobre idosos era feita por familiares.  Em nome de quê??? 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Fazes-me falta!

Não há um único dia que eu não pense em ti, que a tua memória não entre nos meus pensamentos e nas minhas conversas. Não há um único dia que não tenha saudades tuas.  Da tua voz, dos teus conselhos, das tuas histórias, do orgulho que sentias em mim.  A cumplicidade que nos ligava ia muito para além da distância e da diferença de gerações.  Eu era quem tu procuravas quando era hora de desabafos.  Tu eras o meu porto seguro, sabias tudo da minha vida, o bom e o menos bom e quando não concordavas com certos passos, entendias que eu era "mal empregada", que merecia melhor.  Nunca te consegui esconder nada, quis sempre que soubesses de tudo da minha vida por mim, mesmo quando parte de mim desejava ser muda para não te contar alguns momento menos felizes.  "Mereces mais" dizias, ou "és mal empregada" e a conversa seguia depois para outros temas - eu ficava entre o alívio e a angústia, mas sabia que era melhor assim.  
Desde que partiste que muita coisa mudou por aqui.  Somos os mesmos mas estamos diferentes, acredito mesmo que a única coisa  que mantemos igual é o corpo onde a nossa alma habita.  Mais velho, nalguns casos muito mais velho, mas ainda o mesmo.  Acredito que, se voltasses, não te identificarias com algumas histórias em que transformámos as nossas vidas.  Com outras sentir-te-ias feliz, estou certa.  Desde há uns meses - dez - que vivo com uma aliança na minha mão esquerda.  E como isso me enche de felicidade!  Foste uma das primeiras pessoas a quem contei, eu sei, e até julguei ouvir-te dizer-me que estavas feliz por mim.  Continuas a saber tudo da minha vida, o bom e o menos bom, a seguir a mim és quem mais sabe o que se passa, o que me vai na alma... 
Não existe um dia em que não sinta a tua falta.  Lembro que, de início, quanto o telefone tocava ainda pensava que serias tu... habituei-me depois a comunicar contigo de outra forma, através do pensamento e dos sonhos.  Sei que entendes o que digo, que me ajudas quando é tempo de encontrar soluções e até sinto a tua mão na minha face quando uma lágrima insiste em cair.   Como agora... 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Quando um dia eu morrer levarei comigo a certeza de ter dado o melhor de mim em tudo o que fiz. E de ter sabido desistir e virar as costas sempre que percebi que não conseguia fazê-lo. 
Porque nunca fui de meios termos. Estar por estar não faz parte do meu feitio. Quando sinto que deixo de estar inteira, quando percebo que posso estar a mais, o caminho de regresso faz todo o sentido, sem ressentimentos, sem revolta. Haverá sempre alguém que saiba fazer melhor, que possa ocupar o lugar que deixo livre. Porque desistir e ir embora nem sempre é seguir com as mãos vazias. Mas porque ficar só por ficar é perder-se de repente, e não perceber.
Quando um dia eu morrer, vou ter pena de deixar para trás alguns amores. Alguns momentos. Alguns lugares. O resto é a bagagem que eu trago comigo e que me acompanhará também aí. Porque faz parte de mim como um dos meus orgãos e nunca poderá ser substituida por outra. Nada tira o lugar a um amor que tive ou a um momento que vivi. Apenas poderá juntar-se-lhe e assim enriquecer ainda mais esta enorme experiência que é a minha vida. 
Quando um dia eu morrer vou ter também pena do que não vivi. Dos momentos que não partilhei contigo, dos lugares onde não fomos juntos, do filho que não chegámos a conhecer. E de todos os outros dias que perdi por não os ter vivido ao teu lado.
Quando um dia eu morrer, ficarei em paz. E com uma enorme sensação de que tudo isto me soube a pouco, tenho a certeza... 


quinta-feira, 14 de novembro de 2013





Dr José Nunes de Figueiredo, o meu avô materno, que também ficaria muito feliz com o reconhecimento da UC como património da humanidade pela Unesco - é a pessoas como ele pelo que fizeram em prol da cultura neste pais que se deve este reconhecimento, sem dúvida!

Coimbra 23/06/2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 13/11/2013

Ao chegar à CSM,  encontro a D Ana (nome fictício) sentada na sua cadeira de rodas na sala da televisão, como sempre acontece.  O sorriso com que me recebe tem o efeito de me fazer sentir em casa.  Como se fosse da família, como se fosse uma amiga de sempre.  Não tem ninguém, nunca casou, não teve filhos.  O único afilhado, um músico de sucesso, vem vê-la sempre que pode, sempre que os ensaios lhe dão uma folga.  Para ela isso é bastante, nada mais espera.  Pergunto-lhe como passou a noite, se descansou o suficiente, se as dores a deixaram dormir.  Responde-me que dormiu pouco, as dores e os pesadelos não ajudaram, mas acrescenta que esta já passou, que a próxima noite será melhor.  Fala-me da sua vida, foi decoradora desde sempre, lidou com pessoas e objectos, gostos e tendências, sentiu-se quase sempre realizada.  Do seu bom gosto ainda restam o vermelho do verniz, o rosa do bâton e a écharpe florida ao pescoço. Conta-me as viagens que fez, as casas que decorou, as lojas que visitou, como se apaixonou por objectos insuspeitos.  Eu, maravilhada, escuto as suas histórias, visito em pensamento os espaços, viajo com ela pelas lojas e toco, com as minhas mãos, nos materiais que utilizou para o seu trabalho.  Fala-me de cores e de texturas.  Peço-lhe opiniões, conselhos.  Pergunto-lhe coisas, penso em mudanças.  Um destes dias disse-me que gostava de voltar a visitar alguns lugares.  De imediato respondi, "e porque não...?".  Eu não tenho uma perna, sabe?  E eu, que nem tinha reparado, fico sem resposta...  Diz-me que se sente presa, como se estivesse sepultada em vida... Saio dali a pensar que nada deve ser pior do que viver uma vida inteira e, de repente, sentir que o que resta são apenas as memórias e a saudade. 

Diário de uma Voluntária 12/11/2013

Conheceram-se no liceu com 16 anos e foram, desde logo, a vida um do outro. Descobriram em conjunto os mistérios do amor, a cumplicidade da amizade. Pouco tempo depois não passavam um sem o outro. Casaram com 20 anos e com sonhos inteiros por sonhar. Teriam a vida toda para isso, não fosse o ultramar separá-los logo a seguir, por uns meses longos, inesquecíveis. Ela ficou sozinha com uma vida a crescer por dentro, junto ao coração, enquanto ele tentava sobreviver do outro lado do mar. No regresso do pesadelo, o filho gatinhou na sua direcção e isso foi o céu a abraçá-lo. Aos poucos a vida retomou a normalidade, nasceram mais dois filhos para completar uma mão cheia de amor. Nunca mais se separaram. O mais que diziam um ao outro era um "até logo". Continuavam a ser a vida um do outro.
Hoje conversei com ela, enquanto ele nos observava. Ao fim de 65 anos de união, continuam a ser a vida um do outro. Estão juntos no lar onde habitam, partilhando os dias, o quarto, as rotinas. Ele estâ com alzeimer, por momentos viaja, por momentos esquece, quase sempre tem medo... ela esta sempre ali e só deseja ter saúde para o acompanhar até ao fim, até que o "até logo" se transforme num "adeus". Serão, para sempre, a vida um do outro.
(deixei-os, a pensar que também quero um amor assim, para mim...) ♥♥

terça-feira, 12 de novembro de 2013

As minhas mãos. Mãos que recebem e que também dão. Mãos que seguram e que afagam. Mãos que cuidam. Que protegem. Mãos que cozinham e alimentam. Mãos que aquecem. Mãos que escrevem. Que seguram o que leio. Que comunicam. Que conduzem. Mãos que partilham. Mãos que trabalham. Mãos que recebem. As minhas mãos.
Andamos sempre preocupados. Com os pais que estão sozinhos e, por vezes, tristes e doentes e não nos deixam a mente livre. Com os filhos que ainda não cresceram (mas não o sabem!) e nos ocupam o que sobra do pensamento. 
Os nossos dias deslizam entre uns e outros e a preocupação é sempre a mesma. Como estar lá e cuidar e, ao mesmo tempo, dar espaço para que uns e outros não reclamem o demasiado controle. Não estar tão perto, assim, mas não deixar de estar atento, contudo. 
Levamos toda a nossa juventude a ansiar pelo dia em que ficaremos finalmente independentes, por nossa conta e risco, adultos de nome próprio e apelido... até um dia sermos pais. A partir daí e durante umas décadas passamos a viver a vida dos filhos e as preocupações com eles passam a ser a nossa prioridade. Até ao dia em que eles começam a viver a sua própria vida e a ter, também, as suas preocupações. Logo a seguir é altura de cuidar dos pais ou dos sogros doentes ou sozinhos e, de novo a sombra da preocupação instala-se na nossa vida. 
Porque somos gente com corpo e alma, porque não somos ilhas...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O céu azul lá fora transporta-me para outros dias mais quentes, salpicados de água salgada. Esses dias, ansiosamente esperados o ano inteiro, davam sentido a outros onde só havia rotinas, horários, obrigações. Faziam tudo valer a pena, cada dia era sempre um a menos na contagem do calendário. 
Todos os anos fazíamos planos mas sempre com espaço para o imprevisto, para a novidade. Como naquele dia, na praia, quando uma avioneta publicitou um mini concerto de um grupo cujas canções habitavam os nossos dias, numa superfície comercial nos arredores. E que só eu vi... ainda recordo a expressão de surpresa quando, ao chegarmos ao local, perceberam o que ia acontecer (eram as Non.Stop...)  Ou, daquela outra vez, que fizemos mais de 500 km no mesmo dia, só para verem os Linkin Park. E em que eu e a Inês esperámos mais de três horas que o concerto acabasse, para voltarmos para Lagos. E, como no regresso, as canções do grupo fizeram a viagem connosco...
Hoje, como sempre, eu penso na sorte que temos em estar na vida umas das outras, em nos termos encontrado aqui ao mesmo tempo.  E em como o caminho que percorremos juntas nos dá força para o trajecto que agora vamos fazendo sozinhas...

domingo, 10 de novembro de 2013

Não gosto da morte. Passava mesmo muito bem sem ela. A ideia de ir embora e de tudo acabar é muito redutora. Por outro lado, ter de iniciar um eterno monólogo e não encontrar mais respostas, também não me parece nada bem. Ontem, na homilia de um padre e a propósito da despedida do pai de um familiar, fiquei a saber que não sou a únca a pensar assim. "Deus não gosta da morte" , dizia ele. "Deus sabe que estamos aqui para ser felizes". Senti-me reconfortada, quase como se Ele estivesse ali, ao meu lado, e me sorisse. Afinal é bom sabermos que estamos do lado de Deus, ainda que isso em nada impeça a inevitabilidade da morte. Ainda que nada mude e eu continue a sentir que tudo isto é demasiado frágil e efémero e a agradecer-Lhe diariamente o milagre da vida. De facto, nada disto nos pertence, tudo não passa de um empréstimo temporário pelo qual somos responsáveis. A única coisa que temos mesmo é a ilusão de que somos donos da nossa vida, da nossa saúde, da dos nossos filhos, dos bens materiais que adquirimos, etc, etc. E essa ninguém nos tira, a não ser a própria morte. Também por isso, não gosto da morte.

sábado, 9 de novembro de 2013

Raízes.

Já me ouvi afirmar vezes sem conta que ser mãe foi das melhores coisas que me aconteceu na vida. Lembro-me de estar a acabar o meu curso e dessa não ser uma das minhas prioridades. Honestamente nem constava da lista "a fazer" nos próximos anos. Lembro-me de iniciar a minha vida profissional, de me casar depois, e de querer garantir, antes de mais, alguma estabilidade emocional e financeira. Ser mãe não foi um acto impensado, não aconteceu por acaso, não foi um acidente de percurso. Foi um desejo que nasceu no meu coração (e no do pai, também) e que se concretizou assim que houve condições para isso. E foi tão intenso que repeti logo que pude. E foi a vida, que me trocou as voltas, que fez com que não acontecesse de novo. Ser mãe, que não era prioridade, passou a ser a minha razão de viver. Os meus dias foram dedicados a essa empreitada fantástica que é crescer com um filho. Que é estar do outro lado e deste, perceber os receios que anteriormente me pareciam exagerados, ouvir na minha voz frases que pensava nunca dizer e, por fim, sentir emoções que desconhecia. Que é descobrir novos finais para histórias antigas, reler livros já esquecidos, fazer coisas que nunca imaginei. Que é, também, transmitir ideias e valores, entender perguntas, afastar medos. Que é, ainda, acordar de noite com os pesadelos e sonhos maus, rir com brincadeiras inesperadas, ouvir vezes sem conta as cantigas da escola até as saber de cor e as cantarolar sozinha. Crescer com um filho é, aprendi ainda, entrelaçar-lhe as raízes no meio das minhas e dar-lhe, então, asas para que possa voar bem alto... raízes e asas, é isso mesmo!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Beleza é fundamental, diz o poeta. E acrescenta - as feias que me perdoem mas beleza é fundamental... 
Concordo com ele, toda a minha vida procurei a beleza, aquela que nos transmite paz, equilibrio, harmonia, segurança. A beleza que vem com o crescimento, com o aumento do respeito pela vida, pelo outro, por nós próprios. A beleza que só existe quando reflecte a imagem do interior, quando não, é oca e de nada vale. Toda a minha vida tenho encontrado beleza em coisas simples, em gestos que me encantam e que guardo com carinho. Em pessoas inesperadas, que estão lá, para mim, quando mais preciso delas. Em situações únicas e irrepetíveis que tento eternizar através da lembrança.
Cada vez mais acho que a beleza tem mais a ver com o conteúdo do que com a forma, mais com o ser do que com o ter, mais com o gesto do que com a palavra... cada vez mais acho que a beleza se sente e se cheira, e só então se vê...

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 07/11/2013

A revolta é um sentimento muito forte.  Devastador, mesmo.  Já não basta o que a vida lhe deu, um avc aos 41 anos que a deixou cativa numa cadeira de rodas, dependente para sempre dos cuidados alheios e, ainda, este peso na alma, que ela não controla e que lhe prende o pouco que ainda pode movimentar, os olhos, o sorriso, as emoções, o pensamento...
Ao meu cumprimento de bons-dias responde com um amargo "olá", cinzento e gelado, imediatamente antes das queixas de que nada ali está a resultar.  A fisioterapia que não serve para nada, a comida que não presta, os outros utentes que a irritam, os filhos que não a visitam, o ex-marido que a trocou por outra, as auxiliares que a deixam a ver televisão toda a tarde...
Haverá uma ponta de verdade em todo este discurso?  Talvez, mas eu sei que a revolta não a deixa ver mais nada para além da sua amargura.  Nem a deixa aceitar com resignação o que lhe aconteceu.  Nem dá aos outros a hipótese de se aproximarem, de a tentarem ajudar.  
Sinto que ela própria não se ajuda.  Custa-me ver uma mulher tão jovem completamente presa no corpo e na alma e eu não poder fazer nada para alterar este destino.  
Ao almoço, reclamou comigo por ter desviado a cadeira de rodas quando lhe coloquei o avental para evitar que se sujasse.  Ao recolocar a cadeira na mesa, substituiu o normal "obrigada" por um amargo "está mal, antes estava melhor"... não que eu quisesse um agradecimento, entenda-se, mas também não era preciso isso...  acabei por lhe agradecer o reparo e deixar a cadeira como estava inicialmente.
Sei que não nos devemos ligar emocionalmente aos doentes.  Pelo menos é o que nos dizem no início desta caminhada.  Sei, também, que isso não passa de teoria, a maior parte dos dias venho embora a pensar neles e nas possíveis ajudas que lhes possa dar.  Sei, ainda, que é fácil despir a bata, entrar no meu carro e vestir de novo a minha vida que tem sido tão fácil e feliz.
Gostava de a poder ajudar a aceitar o seu destino, já que clinicamente não haverá melhoras.  
Gostava de conseguir que ela experimentasse outros sentimentos que não a revolta. Gostava, sobretudo, que ela percebesse que com os olhos, o pensamento, o sorriso e as emoções, pode ir onde quiser e fazer o que lhe apetecer.  Mas sinto-me presa nas minhas limitações, como se eu fosse a paraplégica e nada pudesse mexer.

Talvez... Esta é seguramente uma palavra que não me diz nada. Que não tem, para mim, qualquer significado ou sinónimo ou tradução à letra. É, para mim, totalmente vazia de conteúdo e, no entanto, é tantas vezes usada... "talvez" eu possa, "talvez" eu queira, "talvez" eu consiga, "talvez" não... nada disto significa alguma coisa, tenho para mim que ao dizermos "talvez" é a forma mais cobarde de não nos comprometermos com nada. Até podemos ter a mehor das intenções, mas a expressão "talvez" é, logo à partida, uma recusa em a concretizar. Há palavras e expressões que eu não gosto. E que não uso. Que não sei aplicar nas minhas frases, nem conjugar com os verbos que utilizo. Há palavras que não fazem parte do meu vocabulário e "talvez" definitivamente não!
(pior do que isso, só a ideia defendida frequentemente de que "o não já está garantido", quando partimos para conseguir alguma coisa...) 



quarta-feira, 6 de novembro de 2013



Lembro-me de ouvir dizer em pequena que só no hemisfério sul é que a lua é verdadeira. Quando é tempo de quarto crescente desenha um C no céu e todos sabemos que ela vai crescer até se tornar num círculo brilhante, cheio de luz. Nesse hemisfério, do lado de lá do mar, tudo é genuíno  desde o cheiro da terra à cor do pôr-do-sol. As recordações que tenho da infância estão obrigatoriamente ligadas a esses pormenores e farão parte de mim enquanto for viva. 
Lamentavelmente, deste lado do mar, até a lua se engana a si própria. Quando fica em quarto minguante, mostra um C no céu como se fosse a sua própria imagem reflectida num espelho. De facto, nós vemo-nos da forma que a nossa mente imagina, independentemente do real tamanho que temos...
Quase sempre aquilo que parece ser o fim de tudo é apenas o início de algo muito melhor. 
O que fica para trás, aquilo que considerávamos como a nossa zona de conforto, a nossa casa, volta ao seu tamanho real e fica arrumado a um canto do nosso coração. Passa a ser mais uma das muitas memórias que connosco vivem. 
Também eu já passei por isso. Já senti o chão fugir debaixo dos pés, o mundo acabar, quando confrontada com uma situação de total intolerância que mudou para sempre a minha forma de estar. Aquele amor que já durava há quase oito anos e que era tudo para mim, acabou subitamente. O motivo? Algo que me pareceu irreal. Injustificável, até. Por causa de uma tatuagem discreta, põe-se de lado um amor que tinha tudo para dar certo. Onde nunca houve discussões. Onde apenas existia harmonia. Um amor com sonhos dentro. Para mim, pelo menos.
Claro que o mundo acabou ali. Depois da surpresa, das lágrimas e do desespero, o que mais me custava era ver que para o resto do mundo, o mundo continuava igual. Dia após dia. Só tinha acabado mesmo para mim. Demorei a sair da incredulidade, não acreditava que um motivo tão ligeiro tivesse aquele efeito devastador. Ele foi intolerante, irascível e idiota, totalmente idiota. Perdeu-me para sempre e eu nem percebi.
Mais tarde, depois de dez meses que pareceram uma eternidade, voltou a haver outra vez "nós". Mas já nada foi igual. Já não consegui acreditar em futuro, já não havia certezas para mim. E o final acabou por chegar, desta vez de vez e por uma razão maior ainda. Mais uma vez, concluí que ninguém volta ao que acabou... 
Quando algo termina e parece não haver saída, nem sempre é assim...logo ali poderá estar um caminho novo que nos leva ao lugar onde os sonhos moram.


Definitivamente não gosto de telejornais. Sobretudo quando as notícias que transmitem não são do meu agrado o que, infelizmente, acontece com muita regularidade. Hoje, enquanto estava a jantar, liguei a tv e a noticia que me fez companhia foi a que relatava o estado de saúde de Nelson Mandela. Segundo me apercebi do que ouvi, a sua vida terrena está por dias, por horas... E, de novo, penso que a morte é um desperdício e uma perda de tempo. Nelson Mandela mudou o mundo, a forma de pensar, a forma de estar, tornou-o mais colorido e lutou pela liberdade de uma forma impar. Eu cresci em Moçambique e lembro-me de ouvir ao meu pai a definição de apartheid que me ajudou a perceber as diferenças entre os dois países - dizia ele que no racismo dissimulado em que nós vivíamos, o branco dizia ao negro "aproxima-te, mas não te eleves"; ao mesmo tempo, na republica da África do Sul, o discurso era "eleva-te, mas não te aproximes"... Uma perfeita estupidez, achei sempre eu, que cresci com meninos de todas as cores e que, para mim, fisicamente e na alma eram iguais a mim e aos meus irmãos... Tenho consciência que muita gente condiciona a vida e a aceitação do outro por factores como a cor da pele, a religião, a política, etc, etc. 
O mundo ainda tem muito para aprender com o exemplo e a luta de Mandela. Quanto a mim, só consigo sentir um enorme privilegio em ter estado nesse mesmo mundo ao mesmo tempo em que ele esteve. 
God bless you Madiba!!!
(Junho, 25)
Outubro, 17

Há dias que têm um motivo, como o de hoje. O dia em que eu nasci não é o dia de nada, é apenas o dia que eu escolhi para nascer. 
Hoje é o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, um dia que devia ser o início do fim de algo. E que não é! Nem por sombras... Ainda ontem à noite, ao regressar a casa, vi o impensável... um casal a procurar comida num caixote de lixo, no meio dos prédios, a poucos metros da minha casa. Quisera ter-lhes dito para entrarem e comerem um prato de sopa, mas faltou-me a coragem... Quisera não ter de ver mais essa imagem na minha cidade, mas não tenho essa certeza. Infelizmente, os "dias de.. " estão cada vez mais vazios de conteúdo. São todos iguais e sucedem-se de uma forma tão estranha... ontem era o Dia Mundial da Alimentação, hoje fala-se erradicação da pobreza, numa altura em que cerca de metade do nosso povo já atingiu o limiar da pobreza... Isto é evolução? Caso para dizer "párem o mundo que eu saio aqui!!!"
Diário de uma Voluntária 15/10/2013

É bom quando ajudamos a que a vida aconteça para os outros, quando a nossa experiência e o nosso exemplo servem de estímulo para que os dias sejam mais alegres, mais seguros, mais cheios. Toda a minha vida tenho procurado crescer com quem faz melhor, não apenas com quem sabe mais... e tenho sido uma privilegiada! 





As minhas estrelas, as que sempre me iluminam mesmo quando há nuvens de trovoada. E que me ensinaram o significado de palavras como carinho, cumplicidade, orgulho, alegria, missão quase cumprida..
Diário de uma Voluntária 08/10/2013


Se eu pudesse, levava comigo um bocadinho de dor quando me vou embora. Trocava-a pela alegria que lhes trago e, ao sair, levava comigo um pedaço da dor que com eles se levanta todos os dias. Não há fisioterapia, massagens ou comprimidos que aliviem a dor que nasce dentro, devagarinho, e que vai crescendo até ficar com corpo e os cobrir como uma segunda pele. É disso que se queixam quando é hora de lamentos. Quando, depois de responderem ao meu cumprimento, se lembram deles próprios e deitam cá para fora a dor que trazem dentro. Não há nada a fazer. Podemos trocar os pés pelas mãos, meter conversas, sorrisos ou gargalhadas, podemos falar do trânsito da manhã, do calor do verão que entra pelo outono, podemos esquecer de falar na saúde ou nos motivos que os fazem estar aqui no lar, mas ela está sempre presente. Nas conversas, no pensamento. A dor física, psicológica, real ou imaginária existe mesmo, habita com eles no mesmo espaço, está incluída na mensalidade, no programa diário. Se eu pudesse, deixava aqui um pouco da minha saúde e transportava a dor e os lamentos numa cadeira de rodas até ao aterro mais próximo...
Diário de uma Voluntária 03/10/2013

E porque é que a sopa não tem sabor a pudim? 
Uma das coisas que mais gostei de fazer quando as minhas filhas eram pequenas era dar-lhes de comer. Vê-las experimentar novos sabores, sentir o arrepio do iogurte, o doce da banana, o crocante da bolacha era algo que me deliciava sempre. Mesmo quando a sopa de peixe vinha salpicar a minha cara... Ainda hoje, sempre que tal é possível, adoro dar da comer aos meus sobrinhos pequenitos.
Agora, nesta nova realidade, dou de comer a idosos, uns mais autónomos que outros, mas todos muito críticos em relação a novos sabores. Acredito mesmo que alimentos familiares, se tornam novos a cada refeição. A idade avançada e a doença, na maioria dos casos, fazem esquecer paladares e sensações e tudo fica a ser novidade. E, aqui, nem sempre novidade é sinónimo de boa nova, de coisa boa...
Hoje, particularmente, o almoço até estava bom. Apetitoso, mesmo, eu também comi o mesmo menu. A sopa de hortaliças e a solha com batatas e brócolos eram dignas de qualquer cozinha que se preze, tenho essa certeza. Mas de cada vez que ajudei, surgiu sempre a mesma questão - porque é que a sopa não tem o sabor do pudim?



Diário de uma Voluntária 02/10/2013

Às vezes penso que já vi tudo, que já senti tudo, que domino tudo... outras vezes, acredito que nada sei e que tudo é novo para mim. 
Quando em 2010 me disseram que não nos deveríamos envolver emocionalmente com os doentes, enquanto voluntárias, pareceu-me ser uma coisa simples e muito fácil de concretizar. 
Claro que saberia pôr-me no meu lugar, de uma certa forma, eu apenas estou ali para ajudar, nada mais. Claro que não foi nada disto que aconteceu com algumas pessoas. 
Fui criando ligações de amizade, de afecto, de dependência, semana após semana, ao chegar já me dizia que "estava a ver que não vinha hoje", à saída a despedida era "até 5ª feira" para mais conversas, ele dizia que eu era a voluntária mais simpática e engraçada do hospital, acrescentando depois que era a única que conhecia e com quem falava... e eu achava-lhe graça (!). Falávamos sobre tudo, ele contava as histórias que tinha, imensas, de anos e anos de profissão, eu fazia todas as perguntas que me era permitido fazer, ele dizia que "um jornalista nunca se reforma, retira-se!" e eu respeitava-o por isso. Apresentou-me a todas as visitas que coincidiam com a minha hora naqueles dias, como sendo "a sua amiga voluntária, a única que estava ali porque queria"... e eu gostava dele por isso. 
No meu regresso de férias soube que tinha ido de novo para a sua cidade e fiquei contente por finalmente já não estar internado. 
Hoje foi ele a noticia, aquela que ninguém tem pressa de saber...
Como Vasco Lourinho certamente diria, não sei como interrompem a vida de uma pessoa para dar uma noticia destas...
Nunca fui de criar raízes. 
De ficar presa como uma planta envasada e precisar dos nutrientes da terra para sobreviver. De me deixar estar lá porque tem que ser. De me sentir condicionada e obrigada a ficar. Pelas raízes, pela terra, pelo vaso, pelos nutrientes...
Nunca fui de criar raízes. De me fixar por motivos materiais, por objectos, por dinheiro, etc. Tudo apenas importante na medida em que é útil, caso contrário passo muito bem sem isso. 
Já com os afectos é diferente... estes sim, preciso deles como do ar que respiro. Vivem comigo onde quer que eu esteja, também não criam raízes em vasos cheios de terra. 



O que é que pode levar ao fim de um amor? O que pode ser tão forte que deixe o "para sempre" num beco sem saída? Onde ficam os sonhos, os desejos, os projectos? Para onde vai o amor? E o espaço que ele ocupa passa a ser ocupado com quê? Com lágrimas? Com novos sonhos e sorrisos? 

Nada melhor do que um novo sonho para abafar um pesadelo, custe o que custar... Nada melhor do que um novo amor que devolva o sorriso onde ele pertence e traga de volta os sonhos para dentro do coração ♡♡ 

O que hoje é verdade amanhã mesmo transforma-se numa dúvida, numa incerteza, numa não verdade.
Acho perfeitamente normal que numa determinada fase da vida se diga "deixei de gostar de ervilhas" ou "agora adoro ir ao futebol" e isso passe a ser a nossa verdade, pelo menos até que nos permitamos ter uma outra evolução. Eu própria também já garanti que nunca faria tatuagens por serem demasiado definitivas e, num determinado dia, acordei e decidi propôr às minhas filhas fazer uma, igual para as três - exactamente por isso, por ser definitiva, por ser a nossa pele, pelo que representava.
Mudar de ideias é, por isso e para mim, normal e compreensível.
Tão normal já não acho a ideia de construirmos a verdade até ao limite da exaustão e, num ápice, ela passar a ser o seu reverso. No que toca a sentimentos e valores a transformação não deve ser assim tão drástica, pelo menos para mim. Não posso compreender este "sou e não sou", este "quero e não quero". Tudo isto me cheira a bi- polaridade, a falta de maturação. Tudo isto causa dores de crescimento e mau-estar. Tudo isto não serve para nada.
O que hoje é mentira continuará a ser mentira amanhã, até que os valores mudem e me convençam que sou eu que estou errada
.


Tenho saudades tuas. Da tua voz, da tua mão na minha, do teu abraço, da tua presença.
Tenho saudades tuas. De nos esperares à janela, do cheiro da tua casa, dos recantos do teu jardim, do riso das minhas filhas quando era hora de brincadeiras, de recebermos o melhor de ti em cada visita.
Tenho saudades tuas, Avó. De te contar os meus sonhos, de contar contigo neles, de encontrar conforto para os meus pesadelos, também.
Tenho saudades nossas, Avó. Das conversas ao telefone, dos nossos segredos, de ler o meu nome escrito com a tua letra, da tua voz a chamar-me "Gracinha".
Tenho saudades deles, Avó. De todos. Dos momentos que estivemos na vida uma da outra, em que fomos o coração e o ombro, tantos e tão poucos...
Tenho também saudades dos outros, Avó. Dos momentos em que não estávamos de acordo, quando era tempo de conselhos, quando era hora de ensinamentos.
Tenho saudades de me ouvir chamar-te Avó em voz alta e ter como resposta o som da tua voz...
À minha frente um casal jovem de mão dada, partilha os headphones de um mp3. Ela, grande mas com ar de miuda, toca no telemóvel touch com os dedos decorados como um catálogo, uma unha de cada cor. Ele, maior ainda, vai cabeceando de cada vez que o andamento do comboio é alterado pela proximidade de alguma estação. Vão de costas, como quem leva a vida para trás. Seguem na mesma viagem, partilhando a música e o destino, com a cumplicidade de quem comunica com os olhos, com o sorriso, com o tacto.
Como eu, como nós, quando a distância se encurta e nos permite partilhar a vida lado a lado. Ou quando essa ausência dá lugar à saudade e a partilha ocorre apenas em pensamento. 
Estou, mais uma vez, a contar os dias para trás. Menos quatro, menos três, menos dois, até à hora em que de novo o teu abraço será a minha segunda pele... 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Da mesa ao lado chegam vozes femininas por entre os meus pensamentos. A conversa, interrompida por gargalhadas juvenis, fala sobre uma despedida de solteira que irá acontecer na próxima semana. E nos projectos que chegarão com o casamento. E numa vida a dois dentro de uma casa nova recheada com móveis e louças, candeeiros e quadros, carpetes e electrodomésticos, tudo comprado com o dinheiro e o gosto dos pais da noiva. E em promessas de emprego garantido para o noivo na clínica dentária do papá. E na viagem de núpcias. E no vestido. E no copo-de-água. 
Com tudo isto, o meu pensamento desviou-se da simplicidade do meu dia-a-dia e ficou, também ele, dentro daquela casa pronta a habitar, mesmo no meio do hall entre espelhos e cristais... 
De repente as gargalhadas deram lugar ao silêncio quando se falou no amor. Quando uma das presentes perguntou à noiva onde se tinham conhecido, onde tinha nascido este amor tão súbito, já que ninguém do grupo conhecia o rapaz. Foram colegas de faculdade numa outra cidade, estudavam juntos todos os dias, respondi eu em vez dela, em pensamento... não, interrompeu a noiva cheia de certezas, tinham-se conhecido através do facebook e namoravam há uns longos três meses. O meu pensamento parou ali... recusou-se a acompanhar aquela aventura inconsciente, apadrinhada pelos pais da noiva que mais pareciam querer comprar a felicidade e o futuro da filha. Que menina infeliz, pensei eu... que família estranha e acomodada, que não questiona as coisas, certamente com medo de ouvir uma resposta... 
Levantei-me e fui pagar o meu chá ao balcão. No caminho para casa dei comigo a pensar em outras conversas, em outras esplanadas, já sem gargalhadas, procurando descobrir diferenças onde nunca existiram semelhanças...


Há locais, momentos, sons e sensações que são intemporais, que me tocam sempre da mesma forma, que vivem dentro do meu coração... Hoje estive de novo ali, a minha mão na tua mão, como dantes, e tudo foi de novo igual. Os mesmos corredores, as mesmas portas de sala de aulas, os mesmos recantos onde nos abraçávamos em cada intervalo. Eu e o meu namorado do liceu... O tempo parou ali, certamente. O meu amor, esse, ainda por ali anda, mais de trinta anos depois...
Setembro, 28

Hoje é dia de aniversário. Um dia que marca, no calendário, mais um ano de vida na vida da minha mãe. Que marca, na nossa vida, mais um dia em que lhe desejamos muitas felicidades, muitos anos de vida. Que nos lembra, de novo, a passagem inevitável do tempo e as suas consequências. Parece que foi ontem que estávamos reunidos a festejar o mesmo aniversário e a desejar um ano melhor. Estamos outra vez juntos, não os mesmos, mas com o mesmo desejo que vem de dentro, do coração. Sei que nem sempre tem sido fácil, nem sempre tem sido leve, mas sei que tenho tido o privilégio de a ter comigo nos momentos mais importantes da minha vida. E de estar sempre lá, também. Sinto mesmo que, quando nasci, me deitaram ao seu lado e assim temos estado desde então... Feliz Aniversário Mãe! 




Diário de uma Voluntária 26/09/2013

Nos últimos tempos a vida tem-me ensinado a dar valor a muita coisa. E a desvalorizar outra tanta. 
Os meus passos, por exemplo, tão apressados outrora, sempre à velocidade do muito que tinha para fazer, são agora mais tranquilos, mais seguros, mais harmoniosos. Com o mesmo cuidado com que dou passos pelos outros, quando levo alguém pelo braço, quando empurro alguém numa cadeira de rodas. 
Hoje de manhã, constatei, uma vez mais, que podemos aprender tudo em qualquer idade. Em várias idades. Aliás, podemos ir aprendendo e reaprendendo ao longo da vida. Quando em criança damos os primeiros passos pela mão dos nossos pais, não imaginamos que podemos ter de o aprender de novo mais tarde. Por outras mãos. Com a mesma dificuldade de quem está a fazê-lo pela primeira vez. 
Hoje, vi alguém com mais de setenta anos, ser ensinado a andar por uma terapeuta. Devagar, com cuidado, um pé atrás do outro. Com os mesmos passos curtos e inseguros dos primeiros anos. Com o mesmo objectivo de, um dia mais tarde, poder andar sozinho, sem ajudas. Tudo igual, repetido. Com a diferença de que, desta vez, o caminho a percorrer será mais curto, mais cansativo, menos arrojado.
Esta manhã, eu dei os primeiros passos mentalmente, com aquele utente. E fiquei a pensar se no caminho que ainda tenho à minha frente, alguma vez mais terei de aprender a andar...
A vida é curta demais. Pouca demais. Rápida demais. Dure o tempo que durar, sabe sempre a pouco. Como quem fica com água na boca. Como quem ainda não recebeu tudo. Como quem espera o que nunca acaba por chegar. 
No meu caso foi quase assim. No inicio, foi como um teste, uma quase aposta de que não me sairia bem. Houve quem o referisse em conversas, quem lembrasse um passado lá atrás, quem tivesse certezas sobre isso. No incio, nunca tive receios ou medos. Entrei com o coração limpo e as mãos vazias de falsas esperanças. Quem nada teme, nada deve. Quem nada deve, nada tem a recear. Logo a seguir foram as conversas, o partilhar de histórias ainda novas para mim, apesar de já por mil vezes repetidas, e das coincidências que levaram a estarmos agora na vida uns dos outros. E eu senti que isso foi uma lufada de ar fresco nas nossas vidas. De todos. Recuperei o que nem sabia ter perdido, passei a ser mais uma filha, foi assim que me fizeram sentir desde logo. E sinto-me abençoada por ter tido a oportunidade de mudar opiniões, de conquistar-lhe o coração, de privar na sua casa. E de usar o seu nome, sobretudo isso, de usar o seu nome que acrescentei aos meus.
Vai passar muito tempo antes de deixar de me emocionar quando me lembrar de tudo isto. Vai demorar muito tempo antes de deixar de me sentir triste. Mas vai durar o resto da vida esta sensação de me saber a pouco e de achar que a vida é curta demais... ♡
Enquanto há pessoas que choram porque as rosas têm espinhos, outros sorriem porque os espinhos têm rosas...

Setembro, 10

Há dias que carregam histórias que vivem na nossa memória para sempre. O dia de hoje é um desses e, por isso, sobressai no calendário dos meses quase tanto quanto o dia de natal. Ou o dia da mãe. Para mim, pelo menos...
Faz hoje anos que eles decidiram juntar os caminhos e dar início a uma história da qual eu vim a fazer parte. Também. Mais de cinquenta anos depois, pouco ficou dessa história a não ser as vidas que ela originou. E as memórias e os ensinamentos que essas vidas ganharam. E as outras vidas que essas mesmas vidas também geraram. O passado e o presente entrelaçam-se e sobrepõem-se como um remendo numa meia velha que, apesar de quase perfeito, permanece sempre lá, visível... sem esse remendo, a utilidade dessa meia ficaria comprometida para sempre; o mesmo é dizer, sem o passado, o presente e o futuro de pouco servem...
Hoje faz também anos que experimentei o sabor da esperança. E da fé. E da dúvida. E, por fim, da desilusão... Perante uma doença que se sabia grave e fatal e depois de uma cirurgia que foi um sucesso, no dizer dos médicos sulafricanos, todos esses sentimentos nasceram nesse dia, exactamente por essa ordem. E ficaram ligados a ele para sempre.
Há dias que temos sempre a lembrança dos mesmos aniversários. Que nos ensinam a seguir em frente e a percorrer o resto do caminho. Como sobreviventes com memórias tristes que nos ajudam a ser pessoas felizes. Por elas, por isso, e, também, pela vida. Até à próxima volta do calendário, daqui a um ano.
Diário de uma Voluntária 05/09/2013

Hoje cresci mais uns anos. A vida real serve para isso mesmo. A outra, a do quotidiano, a que encontramos na nossa casa, na segurança dos dias mais ou menos felizes, vai-nos mantendo sempre dentro da nossa àrea de conforto e até nos permite reclamar quando algo foge à rotina. Tão pequenos e limitados somos... tão enormes e importantes nos julgamos... 
Hoje cresci uns anos. Daquele crescimento que nos cai em cima e nos deixa arrasados. Que nos faz perceber a distância que vai entre o fútil e o que realmente conta. Entre a justiça e o que não conseguimos compreender.
Hoje conheci alguém para quem a vida parou de repente. Num instante que não devia ter sido, o físico deixou de acompanhar a cabeça e o coração e a vida ficou assim numa cama articulada. Do alto dos seus 35 anos, todos os sonhos foram subitamente interrompidos e substituidos pelo nada. Fico a pensar, no meio ds lágrimas que engulo, porque ela e não eu?
De facto, nada disto existe, a não ser a ilusão em que vivemos. E essa, de vez em quando, é substituida pela realidade que nos confronta e nos faz perceber o tamanho que temos. E que é nenhum... 






Diário de uma Voluntária 03/09/2013

Já tinha saudades! Chegar de novo é bom, mas nada se compara a um regresso. A sensação de voltar a casa, de sentir as emoções, os sorrisos, de ouvir as boas-vindas não tem comparação. Como vestir um casaco confortável que já nos abraça. Ou calçar uns sapatos que nos tornam leve o andar. É muito bom mesmo! Gostei de os ver a todos, de os rever. As reclamações da D F., as brincadeiras do Sr J., os esquecimentos da D M., o carinho dos enfermeiros, dos auxiliares, dos responsáveis... tudo isto dá sentido a este regresso que já faz parte das minhas rotinas. Ficou-me a faltar o acolhimento do Prf M. e da D R. que partiram ontem (acredito que lado-a-lado, como viveram os seus dias nos últimos meses...). Ficou-me a faltar, por último, o sorriso da F. que saiu para outra instituição, (sob protesto, disseram-me) - tenho que a ir visitar!!!
O que levará uma mãe a preferir um filho a outro? E a demonstrá-lo de uma forma clara e inequívoca? Sem se preocupar com os danos e as consequências que daí possam resultar? Sem se preocupar com a tristeza e incompreensão que isso possa causar? Sem que ninguém lhe abra a mente e o coração e a faça ver isso? 
Diz o povo que temos 5 dedos em cada mão e que nenhum é igual. Digo eu que qualquer um deles nos faz falta, indiferencialmente, cada um tem a sua função e utilidade específica... dificilmente eu seria capaz de afirmar que preferiria o anelar ao indicador, ou o polegar ao dedo mindinho.
Talvez por isso eu nunca tenha expressado preferências em relação às minhas filhas, não sei usar a medida da comparação, não me prendo nisso. Cada filho é um ser único e incomparável e é dessa forma que deve ser amado... o amor só vale a pena quando é inteiro, desinteressado, incondicional.
Cada pessoa ama de forma diferente e única. 
Uns entregam-se desinteressadamente e dão ao outro (aos outros) o melhor de si sem nada esperar em troca. São os mais felizes, os que nunca se desiludem porque não se chegam a iludir. Os que não reclamam a retribuição porque ao dar já se sentem recompensados. Estão num patamar superior, parece que flutuam como se de anjos se tratasse. 
Outros amam porque sim. Porque são amados e respondem ao que recebem. E enquanto recebem. Nem um segundo mais. São os mais pobres. Os que nada têm mas não o sabem. 
Finalmente há os que amam atrasados. Amam a ausência do outro que já não está porque, entretanto, já vive num outro amor. Saiu do caminho e não se aperceberam. Vivem na negação, no eterno lamento dos que se vitimizam. São os mal amados, os que reclamam um amor que deixaram fugir por não terem cuidado dele o suficiente. 
Tenho para mim que o amor é uma ocupação de 24 horas (nem um segundo a menos!) e só assim vale a pena.

sábado, 2 de novembro de 2013

De vez em quando, alguém nos recorda esta ou aquela expressão que tivemos numa determinada situação. Alguém guardou esse registo que partilha agora connosco. De vez em quando, as palavras são usadas para aquilo que foram criadas e transmitem ideias e sentimentos. De vez em quando, os outros prestam atenção ao que dizemos e conseguem retirar o essencial do meio do resto do ruído.
Fico sempre feliz quando isso me acontece. Quando uma amiga me diz (como aconteceu hoje) que pensa agora como eu pensava dantes e como me ouvia dizer. Que o que eu dizia naquela altura (de estar bem sozinha, de não querer compromissos, de querer criar as minhas filhas com serenidade e harmonia), lhe parecia até assustador e indicador de uma longa vida de solidão mas que agora, decorridos todos estes anos, também ela se via a desejar o mesmo. Fico sempre feliz quando o meu exemplo consegue ser ajustado à medida de outras vidas. Quando o que faço ou o que digo serve aos outros como um farol. Eu, que toda a minha vida tenho estado atenta a outros exemplos a seguir...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Lisboa, 16 de Julho de 2013

Escolhi-te para madrinha da minha filha mais nova. Acompanhaste-nos ao altar, naquele momento que seria, para todos, uma ligação eterna. A vida afastou-nos, por diversos motivos, mas nunca deixámos de saber uns dos outros. 
Quando cresceu, a Inês quis ir visitar-vos e dar-se a conhecer, o que, desde logo, apoiei. Foi uma agradável surpresa e o início de uma ligação que ficaria, uma vez mais, eterna... Eu, do lado de cá, acompanhei tudo isto com uma imensa alegria.
Anos mais tarde, por saber que estavas no hospital em tratamentos com o tio Carlos, decidi ir ver-vos. Fui recebida como uma filha e senti-me, como dantes, em casa. Desde aí temos estado mais perto, como transmitem as tuas notas na minha página. 
Hoje, ao saber que te estavas a despedir de nós, fui, uma vez mais ter contigo. Não te quis ver, quero guardar para sempre a imagem de uma mulher que foi sempre uma força de vida. A imagem de uma mulher que, apesar de nunca ter sido mãe, conseguiu ter sempre tantos filhos à sua volta. Até sempre tia Isabel.