sábado, 19 de dezembro de 2015

Há coisas que matam o amor.  Palavras a mais, silêncios pesados, costas voltadas.  Há lacunas que são como muros e que o sufocam.  Há hábitos egoístas, com raízes profundas que têm em si a força das ervas daninhas. Há partilhas que ficam por fazer.  Há sorrisos que têm o sabor de lágrimas.  Há abraços que faltam, suspiros que sobram e beijos que ficam por dar...
Há dias que matam o amor.  E noites, também.  E, por causa dessas noites, o amor acorda assim, triste e cansado.
Não foi para isto que inventaram o amor, pois não?

Continuo a falar contigo, Avó.  A pedir-te conselhos.  Opiniões.  E a tentar decifrar os sinais que me transmites.  Diariamente.
Continuo a comportar-me como se tu estivesses do outro lado da linha.  Como se respondesses às minhas perguntas, que continuam a ser sempre muitas. E como se me esperasses à janela da tua casa.
Continuo a olhar-me ao espelho e a ver-me com os teus olhos.  E a viver como se tu me observasses.  Diariamente.  Para sempre.  Porque enquanto eu viver, tu viverás em mim. É-me mais fácil assim, percebes?  Desculpa por não te deixar morrer.
Continuo a dar-te os parabéns Avó.  A festejar o teu aniversário.  E a agradecer o teu beijo, quando se trata do meu. Parabéns, minha querida Avó!  Porque enquanto eu viver, tu continuarás a fazer anos para mim.

Ela já não se lembra de quando foi a  primeira vez que ele lhe falou mais alto.  Só guardou dentro de si a sensação de não ter gostado.  Nem da segunda vez.  Nem das outras que se seguiram . 
Lembra-se de pensar "está cansado e nem se dá conta do tom de voz".  Recorda-se de  repetir para si mesma, vezes sem conta "isto já passa", ao mesmo tempo que tentava conter as lágrimas,  "isto só pode ser um pesadelo, já vai passar".  Mas não passou. 
Um dia, deu consigo a responder no mesmo tom.  Quem diria, ela que nem sabia falar alto, via a sua voz sair dos lábios e chegar à altura do tecto. 
Foi só o começo.  Ou melhor, foi só o começo do fim de tudo o que eles tinham.  O barulho dos dias passou a ser ensurdecedor ao mesmo tempo que no silêncio da sua alma, ela tentava perceber como tinham chegado até ali.
Ela já não se recorda de quando foi a primeira vez que isso aconteceu.  Só sabe que coincidiu com o dia em que o amor deles matou o seu amor.

Talvez um dia eu me sente aqui a pensar nos dias que ficaram lá atrás e sinta uma enorme vontade de chorar.  Talvez, nesse dia, eu fique zangada por tu já não estares ao meu lado.  Pode até ser que eu me tenha iludido na certeza que iríamos envelhecer juntos.  Acredito mesmo que eu tenha petrificado essa ideia dentro de mim e sacudido qualquer outra que pudesse ter, entretanto, aparecido.  Porque todos os sinais que me foste dando, desde aquele dia a caminho de Viana do Castelo, foram nesse sentido.  E porque todos os outros dias que vivíamos a contar os minutos para nos encontrarmos no intervalo da aula de Português, também me fizeram acreditar nisso.  Lembras-te desses dias?  E desses abraços?  Como poderíamos esquecer?  E, ainda, porque, alguns anos depois, quando te voltei a ver, só me vieram as lágrimas aos olhos e vesti de novo a pele da adolescente que corria pelo corredor ao teu encontro.   
Talvez um dia eu olhe para aquele banco e ainda sinta a minha mão aquecida pela tua.  E ao mesmo tempo, nos meus ouvidos, ainda ecoem as tuas palavras. Quem sabe...?
Por outro lado, é bem possível que sejas tu, daqui a uns anos, a  sentar naquele assento e a ouvir-me, ainda, a dizer "eu adoro-te".  Aposto que quem passar ouvir-te-á responder "e eu a ti...". 
Lembras-te?  Prometes não esquecer?