quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Diário de uma Voluntária 13/11/2013

Ao chegar à CSM,  encontro a D Ana (nome fictício) sentada na sua cadeira de rodas na sala da televisão, como sempre acontece.  O sorriso com que me recebe tem o efeito de me fazer sentir em casa.  Como se fosse da família, como se fosse uma amiga de sempre.  Não tem ninguém, nunca casou, não teve filhos.  O único afilhado, um músico de sucesso, vem vê-la sempre que pode, sempre que os ensaios lhe dão uma folga.  Para ela isso é bastante, nada mais espera.  Pergunto-lhe como passou a noite, se descansou o suficiente, se as dores a deixaram dormir.  Responde-me que dormiu pouco, as dores e os pesadelos não ajudaram, mas acrescenta que esta já passou, que a próxima noite será melhor.  Fala-me da sua vida, foi decoradora desde sempre, lidou com pessoas e objectos, gostos e tendências, sentiu-se quase sempre realizada.  Do seu bom gosto ainda restam o vermelho do verniz, o rosa do bâton e a écharpe florida ao pescoço. Conta-me as viagens que fez, as casas que decorou, as lojas que visitou, como se apaixonou por objectos insuspeitos.  Eu, maravilhada, escuto as suas histórias, visito em pensamento os espaços, viajo com ela pelas lojas e toco, com as minhas mãos, nos materiais que utilizou para o seu trabalho.  Fala-me de cores e de texturas.  Peço-lhe opiniões, conselhos.  Pergunto-lhe coisas, penso em mudanças.  Um destes dias disse-me que gostava de voltar a visitar alguns lugares.  De imediato respondi, "e porque não...?".  Eu não tenho uma perna, sabe?  E eu, que nem tinha reparado, fico sem resposta...  Diz-me que se sente presa, como se estivesse sepultada em vida... Saio dali a pensar que nada deve ser pior do que viver uma vida inteira e, de repente, sentir que o que resta são apenas as memórias e a saudade. 

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