quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Por vezes andamos às voltas à procura de uma saída, de uma solução, de uma luz.  Por vezes perdemos tempo e dinheiro e nada nos compensa.  Por vezes perdemos a fé.  Ou quase.  Esquecemo-nos dela por uns tempos, ficamos sem chão, sem colo, sem casa.  Tornamo-nos pequenos, ficamos autistas, com medo de tudo.  Com medo de nós e dos sonhos que deixámos de sonhar.  Porque nos fechámos dentro de nós e deitámos fora as chaves das portas que antes mantinhamos abertas.  E os outros, de tanto tentarem abri-las sem conseguir, acabam por ir embora, esgotados e desiludidos.  Deixam-nos lá atrás e seguem a vida deles.  E passamos a ser passado, o seu passado.

sábado, 25 de janeiro de 2014


Estou naquela parte da vida em que acho que já subi tudo o que havia para subir.  Que já fui até ao ponto mais longinquo.  E que agora o caminho de regresso é a descer, até chegar de novo à casa da partida.  
Do que deixei para trás, houve partes do percurso em que andei confiante e feliz, quase de olhos fechados, outras que foram sinuosas ou estranhas, outras ainda em que tive que andar descalça, em bicos de pés, com mil cuidados.  No entanto, a idea de desistir nunca fez parte da minha bagagem.  Houve alguns lugares e pessoas onde voltei uma e outra vez e de onde me custou muito sair.  Se pudesse teria ficado lá para sempre... Houve outros em que percebi que cheguei por engano e acabei por vir embora de mãos vazias.  Ou quase.  
Algumas partes do caminho (muitas mesmo!) faria de novo, se me fosse permitido.  Porque me deixaram com a alma cheia de todas as vezes.  E isso não tem preço.
Estou naquela fase da vida em que tomei consciência que já tenho mais passado que futuro.  Mais ontem que amanhã.  Mais memórias que projectos.  Mas muitos sonhos, ainda.  E todos eles com corpo, com alma e com sabor a canela... ♥
Devia haver um termómetro para medir a dor.  Um termómetro, uma balança, uma fita métrica ou outra qualquer forma que quantificasse esse estado.  Devia haver uma forma de vermos se o outro sofre com dor, se a dissimula, se a suporta sem queixumes.  A frase "devo estar com febre" nunca é posta em causa porque a temperatura pode ser medida.  Basta encostarmos os lábios à testa de alguém para sentirmos se tem ou não temperatura e até há quem consiga mesmo quantificar se são 37,8 ou 40 graus.  Já com a dor, o caso muda de figura.  Quando dizemos "dói-me a cabeça" ou "dói-me um dente" só acredita quem quer e, mesmo assim, estamos sempre sujeitos a passar por mentirosos.  Devíamos mudar de cor quando estamos doridos.  Ou ficar com borbulhas.  Ou outra coisa qualquer. Visível, de preferência.
Por vezes, mais do que as que gostaria, dói-me a alma por causa do que vejo à minha volta.  Pelas palavras, pela falta das palavras algumas vezes, pelo uso errado delas, também.  Pelas atitudes, pela forma como uma acção pode destruir tanta coisa.  Ou construir, ainda.  Pela ausência de afecto, de bom senso, de sensibilidade.  Pelo excesso de arrogância, de teimosia e de inveja, também.  Anda por aí muita gente convencida que é imortal, que nada os pode afectar, que estão acima de tudo.  Pessoas que apenas olham para elas próprias e não conhecem nada porque o seu horizonte visual não vê mais do que aquilo que as suas mãos podem atingir.  Pessoas que afinal não têm nada de seu.  Porque tudo o que as prende é apenas material e isso não substitui os afectos.  Isso pode até ter o tamanho de uma vida mas não a completa.
Por vezes, mais do que quero, dói-me o coração pela indiferença que vejo à minha volta.  Por vezes, mais do que deveria ser, sinto-me triste e desanimada pelas voltas que a vida dá, pela forma como somos apanhados por elas e nem sabemos como reagir.  
Devíamos mudar de cor quando nos dói algo.  Pelos menos, nessa altura, os outros respeitavam a nossa dor e fariam tudo para não nos magoar mais.  Ou não...

sábado, 18 de janeiro de 2014

Ela tinha sempre uma opinião sobre todos os assuntos.  Que defendia de uma forma definitiva, convicta e, sobretudo, incontestável. Nunca tinha dúvidas, sabia sempre tudo e, pior do que tudo isso, tinha a certeza que estava sempre certa.  Como era infeliz e triste a sua vida.  E pequeno o seu universo de certezas.  Nunca deu oportunidade a si própria de crescer com a opinião dos outros que, por não coincidir com a sua, a faria ver outros horizontes.  Era como aquelas casas em que as portas nunca estão abertas para entrar, apenas são usadas para sair.
Não havia assunto nenhum que não fosse do seu domínio, ainda que muitas vezes a opinião que manifestava não passasse de um non-sense.  Para ela não havia dúvidas ou incertezas.  Para ela não havia espaço para outras opiniões que não fossem as suas.  Porque o espaço é pequeno e a cegueira dela ocupava-o todo.
Um dia mudou de país para acompanhar o marido que ficou sem trabalho e teve que emigrar.  Deixou a sua zona de conforto, despiu a roupa que envergava habitualmente e ficou nua.  De todo.  À despedida, no aeroporto, só teve o motorista do taxi que a transportou até lá.  ninguém mais saiu do seu percurso para lhe ir desejar "boa viagem".  A culpa foi da chuva forte que caiu nesse dia, pensou ela, mas não, a culpa foi do seu feitio difícil que afastou dos outros a vontade de estar junto dela.  E sentiu que ninguém a acompanhou, que todos ficaram lá atrás, ainda a refazer-se do alívio de a saber ir embora.  Sentiu que nem o marido a acompanhava, ele que não tinha certezas, que vivia cheio de dúvidas.
Poderia ter aproveitado essa mudança para crescer, para nascer de novo, para abrir a porta aos outros mas não, desde o senhor da agência que lhes alugou uma casa, aos vizinhos do prédio, todos logo a ficaram a conhecer pela arrogância que transparecia das suas atitudes.  
E em Paris, na cidade-luz, ela continuava completamente às escuras.  
Anos depois, já sem o marido que entretanto tinha trocado as dúvidas pela certeza de que não a aturava mais, adoeceu.  De uma doença grave, daquelas que nos enchem de certezas de que a vida é única e irrepetível e que a deixou, a ela, cheia de dúvidas.  Ficou, subitamente, sem saber para onde foram as certezas que a acompanharam desde sempre e que agora, numa altura em que precisava tanto delas, tinham desaparecido...
Tornou-se então mais humilde, mais simples, mais gente.  Desejou poder voltar atrás no tempo e refazer junto de todos os outros a opinião que lhes deixara.  Descobriu que isso era impossível, porque era tarde, mas não demais.  Aprendeu , então, a abrir a porta aos outros, a ouvi-los, a saber calar-se, a dar-lhes razão. Sinceramente.  E percebeu, ainda, que perdeu a parte mais doce da vida que tem a ver com os relacionamentos, com a amizade, com a partilha.  E sofreu com isso...
Ontem, no jornal, li sobre a morte dela.  E soube depois, através de um amigo, que tinha doado o seu corpo à ciência, contribuindo assim para ajudar os médicos a acabar com as dúvidas que a medicina ainda tem... Tenho a certeza que agora está feliz!



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


Eu acordo, eu gosto, eu leio, eu vejo, eu ando, eu sorrio, eu como, eu trabalho, eu escrevo, eu durmo, eu amo, eu acarinho, eu choro, eu sofro, eu corro, eu espero, eu vou, eu chego, eu estou, eu compro, eu dou, eu grito, eu conduzo, eu passeio, eu sou.  
Eu vivo no presente e como um presente, mesmo quando não gosto dele e me apetece trocar por outra coisa qualquer. Ou simplesmente devolver.  
Há pessoas que vão vivendo, vão amando, vão andando, vão sofrendo, vão chorando e vão esperando que o tempo passe e que melhores dias vão acontecendo... 
Vivem no gerúndio, que é aquela coisa mole que está entre o passado e o futuro e que os vai consumindo e aos seus dias sem que eles se vão dando conta...

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mais uma vez em viagem, ela já perdeu a conta do número de vezes que fez e desfez a mala.  Do número de vezes que comprou bilhetes de ida e volta.  Dos quilómetros já feitos.  Dos que ainda tem pela frente e não sabe.   De todas as vezes que pediu um lugar à janela e no sentido da marcha do comboio.  Porque ela acha que ir de costas é anti-natura e também porque gosta de ver a paisagem por onde passa.  Ainda que seja de noite e apenas existam luzes lá fora a brilhar na escuridão.  
Nestes últimos meses já correu mais vezes o país do que em toda a sua vida.  Já sentiu calor e frio, já teve sono e quase dormiu com medo de não acordar, já esgotou o repertório das músicas que tem gravadas no seu telemóvel.  Desta vez o seu destino é a estação final, desta vez até pode adormecer à vontade porque não corre o risco de perder a saída  e não dar conta.  Mas acontece sempre assim, ela já está habituada.  De todas as vezes que podemos fazer alguma coisa, essa coisa perde a oportunidade ou o interesse.  Portanto o sono é algo que não faz parte dos seus planos de viagem, que não a acompanha desta vez.  Ler também não, apesar do José Luis Peixoto estar dentro da sua  mala à espera de ser lido.  "Hoje não" é o nome do livro e é também o que ela pensa sobre ele.  Hoje não, agora é tempo de escrever o que lhe passa pela cabeça e pelo coração, logo mais no hotel, quem sabe, terá tempo para ele. 
Pensar e ouvir música é já companhia suficiente.
Por vezes, quando o cansaço chega, ela deseja que esta seja a última viagem.  Outras não, parar é morrer, já dizia a avó Maria e é bem certo.  Parar, para ela, só o tempo suficiente de preparar as coisas para começar a andar outra vez.  Nos últimos tempos a sua vida tem sido um atravessar de estradas - "pare, escute e olhe" e siga em frente.  Porque não há tempo para perder tempo.   Por vezes podem ser passos inseguros,  hesitantes, cautelosos, mas sempre para a frente.  No sentido da marcha e, de preferencia, à janela.  Porque tem viagens que atravessam todas as estações do ano, como a de hoje com sol, chuva e granizo.  Porque a paisagem que vemos lá fora é sempre melhor do que a que temos ao nosso lado, quando viajamos sozinhos.  E, de certa forma, é ela que viaja connosco, como se estivéssemos parados e ela seguisse, rápida, no sentido contrario ao da marcha, apenas para nos mostrar a nossa evolução.  
Do número de coisas que já perdeu a conta, também faz parte a saudade.  E a solidão.  E a esperança.  Que ela se habituou a dobrar e a embalar como faz com as camisolas e os vestidos, mesmo ao lado do perfume que a acompanha todos os dias da sua vida.
Rua do Ouro, Lisboa, seis da tarde de um sábado de inverno.  Vindo do rio, subia um nevoeiro que aos poucos ia ocupando todos os lugares vazios que encontrava.  As iluminações de Natal, agora apagadas, aguardavam que as retirassem até ao próximo outono.  Nas montras das lojas as palavras "saldos" e "promoções" faziam os transeuntes abrandar o passo - "Será que é desta que vou conseguir comprar o sobretudo?", "...as botas pretas", ou qualquer outra peça que se guardou até agora.  À porta dos restaurantes, os empregados tentavam atrair-lhe a atenção para as ementas deliciosas que exibiam.  As esplanadas, confortáveis com o aquecimento a gás, estavam vazias.  Tinham deixado o carro no parque e ia, ela dentro da mão dele, observando tudo o que a rodeava e pensando em como é bela a baixa pombalina.  Os cheiros, as luzes, as esquinas delineadas dos prédios, as janelas estudadas para serem iguais, os telhados salientes, como tudo é encantador.  Numa das esquinas, um rapaz com o seu saxofone, tocava "body and soul".  Para ela, apenas.  Porque só ela parou para o escutar, todos os restantes seguiam fechados em si próprios, surdos e infelizes... E ela achou a cidade mais bonita ainda, agora que a via cheia de luz e de música.  E nem lhe faltaram as decorações apagadas de um Natal já passado no calendário dos dias, que há-de voltar, mais tarde ou mais cedo.  Dentro das mãos dele, e só por isso, tudo fica mágico e completo.  E ela quis guardar para sempre aquele momento como se estivesse dentro de uma fotografia.  E conseguiu!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

É mesmo estranha esta coisa de gostar.  Estranha e perigosa, porque se entranha na nossa pele e nos vicia.  Deixa-nos cativos, presos para sempre e ocupa toda a nossa vida, desde que a conhecemos.  
Os primeiros amores que temos são os nossos pais.  Estamos cá por causa deles, não vivíamos sem eles.  Depois chegam os irmãos e os primeiros amigos da escola, que crescem connosco e nos ensinam a gostar de crescer.  Mais tarde, na adolescência, gostamos de um outro amor que desperta em nós aquelas emoções que só sabíamos dos livros e dos filmes.  E que se tornam subitamente uma adição.  E que passam a ser inesquecíveis.  Porque vivemos para elas e por causa delas.  A partir daí a nossa vida faz-se de gostar.  Só de gostar.  Esse amor, que chamamos de "primeiro amor", destrona todos os outros de repente, sem avisar, e ocupa-nos por inteiro.  
Nada mais é igual.  Nada mais terá o mesmo sabor, a partir daí.  O caminho para a escola, igual ao já feito centenas de vezes, é novidade na companhia dele.  Dentro da mão dele descobrimos que a nossa pele também se habitua a gostar.  E que já não sabe mais viver sem isso.  Dentro do abraço dele entendemos a razão porque gostamos do silencio, porque as musicas românticas nos tocam, porque precisamos da boca dele para completar o nosso pensamento.  A vida passa a ser gostosa, gostamos de ser viciados nisso.  Até um dia.  
Um dia ele vai - ou ela - e fica apenas essa coisa vazia que é gostar.  Que tentamos encher com tudo o que nos aparece pela frente, até fechamos os olhos e deixamos de pensar, mas acontece como com as bolas de sabão, rebentam ao toque.  Nada mais é igual, outra vez.  Só essa mania teimosa de gostar, que não nos deixa.  E as lembranças que gostamos de manter vivas cá dentro.  Estranha coisa essa de gostar.  
Por vezes penso "morro se parar de respirar durante um tempo?", por vezes tenho a certeza que não viverei mais se apenas parar de gostar.  Há quem goste tanto dos outros que se esquece de gostar de si e fica só quando eles partem, há quem goste tanto de si mesmo que nem repara que já está só há muito tempo.  Eu gosto, gostei sempre e nem imagino a minha vida sem isso.  Se bem que por vezes não é fácil viver com esse sentimento.  Ou sem ele.
Mesmo irónica essa coisa de gostar.   Mas viciante, não tenho dúvidas...

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Para que serve a mentira?  Para nos escondermos dos outros? Para fugirmos de nós próprios? Para nos defendermos de uma ameaça de faz de conta?  E que, com a mentira, fica apenas afastada, a fingir?  Quem mente e foge à verdade fica preso numa teia que acabará por ser demolidora.  Mais cedo ou logo depois, todos acabarão por ver o mentiroso a coxear... 
Para mim, que nunca gostei de mentir nem nunca precisei de maquilhar a minha verdade, o que mais me custa na mentira é a sua total e definitiva inutilidade.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

No quarto de hotel, o som abafado que vem da televisão faz-lhe companhia mas não consegue captar a sua atenção.  Depois de um dia que teve muitos nomes, muitos sorrisos e outros tantos olhares curiosos, ela sentiu que aquele quarto de hotel não é a sua casa, que aquela não é a sua cidade, que esta não é a sua vida... 
Claro que isto vai passar, é uma impressão inicial, ela sabe, é apenas até se habituar e entrar na engrenagem.  Tudo vai correr bem, nada nunca é fácil quando é novo, quando nos tiram o tapete e nos dizem que não podemos cair.  É isso que ela sente, apesar de não querer sentir, apesar de não querer deixar crescer o medo e a insegurança.  Tudo vai parecer mais fácil quando o dia nascer, quando o amanhã acordar com a habitual leveza e ela sentir que tem um dia inteiro pela frente para minimizar o efeito brusco da novidade.  
É só mais uma experiência, pensa ela, é só mais uma parte da sua vida vivida de uma forma diferente.  É só mais uma aposta!
Do lado de fora do quarto de hotel o som ininterrupto da chuva faz-lhe companhia e prende-lhe toda a atenção...

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

No final de uma viagem e no início de outra...
Encostada ao balcão, ouvi-a dizer com uma voz clara, "quero um café sem princípio, em chávena escaldada, por favor". A sério? Sem princípio? O que é isso? Fiquei a pensar naquela frase, a tentar perceber como existe uma coisa sem o seu começo? Sem aquilo que é a origem de tudo? Como se eu quisesse ser eu mesma sem o meu nascimento. Que está bem documentado, portanto existiu. Ou a minha história de amor sem o seu início. Que eu nem sei bem quando foi, mas de certeza que existiu esse momento. E que se prolonga todos os dias, todos os momentos, como se eu ainda lá estivesse no primeiro minuto, na novidade, na descoberta? 
Qual é o interesse de uma história sem o "era uma vez"? Tudo o resto até pode ser empolgante ou monótono ou até mesmo chato. Podemos morrer de tédio ou desejar que a história não tenha fim. Podemos esquecê-la a seguir ou recordá-la para sempre, fazer dela a nossa inspiração. Podemos gostar do final ou ainda não o ter vivido. Mas o começo? Todos os começos têm sempre que existir, são insubstituíveis, mesmo! 
"Quero um café que comece a meio" ou "quero uma história sem as primeira frases"...? Não, não quero nada disso para mim. Quero uma história que tenha um começo que eu possa recordar quantas vezes quiser e que não tenha final. Esse, o fim, é que pode ser adiado. Até porque já li algures que o final de uma coisa é sempre o início de outra e estou de acordo. Completamente de acordo. Assim, o final não acaba nunca, apenas se transforma em algo novo. Para começar, outra vez...