quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Definitivamente perdemos a capacidade de saber esperar.  De saborear o entretanto.  O devagar. 
Deixámos de conseguir construir castelos no ar como dantes, no tempo que decorria entre o envio de uma carta e a sua resposta.  Desaprendemos de imaginar cenários, de sonhar com frases e sorrisos, de acalentar ilusões.  De cultivar a espera. 
Hoje queremos tudo imediato.  As perguntas, as respostas, os objectos, o final. Tempos houve em que sonhávamos com o início de uma história.  Levávamos dias a construi-la em pensamento.  Hoje só queremos que aconteça.  Estamos sempre a olhar para o relógio, medindo o tempo que passa.  Engolimos os dias à espera do fim de semana, sabemos de cor o que falta para o fim do mês.  Perdemos a capacidade de ter paciência.  Se não for agora, já não serve.  Tem de ser já!  Deixámos de saber o que fazer com o tempo que acontece entretanto.  Fica-nos a sobrar.  Perdemos tanto, entretanto...
Hoje sinto que temos cada vez menos.  Tentamos saber tudo, controlar todos os passos, a vida passou a ser quase um déjà-vú - acabou o efeito da surpresa, do deixa acontecer...
Tudo o que demora passou a ser uma seca.  Torna-nos impacientes.   Achamos que estamos a perder tempo quando, no fundo, estamos apenas a desperdiçar tudo o que acontece enquanto nada se passa.

"Deixa que a vida te surpreenda, acredita que ela está sempre certa" (esta continua a ser uma das minhas máximas preferidas)

sábado, 15 de agosto de 2015

Nunca conseguimos agradar a todos.  Nem sempre é fácil satisfazer uns e outros. Raramente obtemos quórum nas escolhas que fazemos.  Nas atitudes que tomamos.  Nas palavras que usamos. Acontece muitas vezes termos de fazer contas à vida para não magoar os outros, ou ter de serpentear por entre os factos para não sairmos feridos.  Por vezes, mais do que gostaríamos, nem a nós próprios conseguimos agradar.  E assumir isso é ser grande!

Por vezes a vida parece acabar.  E aí, tudo o que fica é apenas o resto.
Uma enorme apatia, uma vontade de nada fazer, de não querer que a anestesia passe. 
Até um dia acordar e perceber que não é isso que quero para mim.  Que desistir não é o caminho e que ainda vou a tempo de reagir. E que o que há a fazer é pegar nas pontas soltas desse resto e tricotar um fundo novo, em malha apertada para que não deslasse, e forrar as paredes da vida com ele.
Decorá-lo com as memórias e com os sonhos, ou deixá-lo em branco.
Enfeitá-lo com laços ou com suspiros, não importa.
Mas deixar espaços vazios para outros sorrisos, para novas lágrimas, quem sabe... (podemos sempre acrescentar-lhe mais uns centímetros!)

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Ela esteve aqui hoje a desabafar.  Não era para falar dela que vinha, o que a trouxe cá foi um assunto de trabalho, mas bastou eu perguntar se estava tudo bem.  Do nada começou a contar-me tudo, a falar dos filhos, do companheiro, da solidão que sente, dos sonhos que lhe estão ser cortados antes mesmo de os sonhar.  Toda a vida viveu para os filhos, três ao todo, ficou viúva com o mais novo ainda dentro dela.  Depois os dias foram acontecendo entre fraldas, biberões, termómetros e xaropes.  Nunca teve muito tempo para abraços e caricias.  Nem para contar historias na hora de os adormecer.  Todo o tempo era pouco para a lida da casa, para a comida, para o tratamento da roupa.  Nunca teve tempo para lágrimas ou desabafos.  Os dias não eram bastantes para tratar dela, para sentir a solidão, para se olhar ao espelho.  À volta ninguém estranhava, cada um vivia apressado dentro da sua própria vida e os olhos tristes dela nunca foram notados.  Nem a família, nem os amigos, nem os vizinhos se questionavam porque motivo ela nunca sorria.  Nem porque nunca a ouviam cantar.  Os filhos cresciam, os dias passavam e ela desaprendia as canções da juventude e as gargalhadas.  Porque quando nos desabituamos de sorrir é como se nunca o tivéssemos feito antes.  Hoje vive com três adultos, de quem continua a cuidar.  Já não lhes dá a comida na boca, mas continua a cozinhar para eles.  Porque sempre foi assim.  De há uns tempos para cá conheceu um homem que reparou nela.  Que a olhou de forma diferente, que lhe perguntou porque nunca sorria.  Devagar começou a ver-se ao espelho, a procurar arranjar-se, a cuidar de si.  Aos poucos interiorizou que também ela tinha espaço para ser amada.  Merecia isso.  Ainda ia a tempo, ainda valia a pena.  Um dia ele falou-lhe em serem a companhia um do outro e ela ficou sem saber o que dizer.  Precisava de contar aos filhos, tinha a certeza que eles iam ficar felizes, que aprovariam a ideia.  Achava que todos a queriam ver feliz.  Mas não foi isso que encontrou.  Os filhos, que sempre se habituaram a vê-la sozinha, entendiam que a mãe não precisava de ninguém e que nada devia mudar.  Sempre foi assim, para quê fazer diferente?  E ela viu-os como nunca os tinha visto.  E ouviu e disse-lhes o que nem acreditava ser possível.  E agora, está aqui à minha frente, com lágrimas nos olhos e revolta no coração, sem saber o que fazer, à espera de um milagre que mude o pensamento dos filhos ou, quem sabe, desejando nunca ter ousado ser feliz.  Ouvi-a e questionei-a sobre o que ela quer para si.  Sobre o futuro.  Sobre o egoísmo encoberto dos filhos.  Ela está perdida e dividida.  E vazia.  E, enquanto isso, a minha sala fica cheia com os desabafos dela e com a minha impotência em a poder ajudar... Quando ela sai, penso que a felicidade é um vicio que não devemos contrariar.  E que a nossa vida tem mesmo de ser a coisa mais importante do mundo para nós.

Parei na beira do passeio, olhei e tu estavas na minha frente, do outro lado da rua. Tal como eu, esperavas que o sinal de peões abrisse, para a atravessares.
Pela segunda vez, o destino põe-nos em frente um do outro.  Esse pensamento fez-me sorrir com saudade.  Só por um instante. 
Sei que quando o sinal abrir, retomaremos o passo em direcção ao outro lado.
Desta vez, quando nos cruzarmos não nos abraçaremos como era habitual.  Desta vez encontramo-nos frente a frente, mas em lados opostos de um caminho que não é o mesmo.  Passarás por mim e não pararás.  Não me dirás que sou a tua vida e que queres fazer o resto do caminho comigo.  Nem me beijarás como se vivesses para isso.  Apenas para isso e para mim.  Estás ali, e eu também, somente para atravessar a rua para o outro lado.
Desta vez, cumprimentas-me cordialmente como se eu fosse apenas uma conhecida.  Mais uma.  Eu sou alguém que passou pela tua vida e não deixou marcas nem rastro.  Nem saudades.  Será que quando me vês te recordas de mim?  De como eras feliz por eu estar lá?  Do meu cabelo?  Do meu perfume no teu quarto depois de eu sair?  Das minhas roupas na tua cama?  Das conversas antes de adormecer?  Das mensagens a meio da noite, quando um de nós acordava com saudades do outro?  De como te lia os pensamentos?  Do meu olhar?  De mim?
Sei que não foste tu quem nos colocou em lados opostos da estrada - sei, também, que se fosse por ti, eu ainda estaria desse lado a atravessá-la ao teu ritmo, dentro da tua mão.
Foi antes a vida, foram as escolhas que fizemos muito antes de tudo terminar.  Porque é muito antes de chegarmos à beira do passeio que começamos a atravessar a estrada. 
E, no nosso caso, algo fez com que não chegássemos lá ao mesmo tempo.

sábado, 1 de agosto de 2015

Aprendi que nada é mais importante que os afectos.  Nada tem mais peso.  Nada é mais leve, também.  Aprendi que passo bem sem quase tudo.  Menos sem os afectos... (é que me falta o ar sem eles...)  Aprendi que a posse dos bens materiais é apenas uma ilusão.  Que o que é verdadeiramente nosso é o que temos dentro de nós, o que sentimos, o que desejamos.  As memórias que transportamos connosco, também.  Aprendi, ainda, que possuímos apenas o que os nossos olhos alcançam, enquanto os mantemos abertos.  E o que vemos com eles fechados quando sonhamos, também.  Desde que saibamos sonhar.  Aprendi que a vida se faz devagarinho, um passo de cada vez.  E que o que dantes me parecia longínquo, agora está perto ou já passou.  Aprendi que o tempo já vai sendo pouco para tudo o que ainda tenho para fazer.  Que o resto da vida pode ser só mais um momento.  Ou todos os outros dias.  E que o passado pode ter a forma de uma lagarta ou de uma borboleta, consoante a perspectiva em que o vemos.  Aprendi que nada justifica mantermos um conflito, muito menos connosco próprios.  E que não há alivio melhor do que uma consciência tranquila.  Aprendi que cada dia estou mais curiosa com a vida e que já nada me parece definitivo.  E que não corro o risco de me aborrecer com a monotonia, porque cada dia é único e absolutamente imperdível!