quarta-feira, 11 de março de 2015

Hoje acordei com um aperto no peito.  Sonhei a noite inteira que a minha vida tinha chegado ao fim e que não teria mais tempo para fazer o que ainda me falta.  Voltar a Paris.  Despedir-me dos amores.  Dos amigos.  Lanchar, uma última vez, nas Vicentinas, em Lisboa.  Beber um gin no Procópio, depois do cinema.  Olhar o pôr do sol em Cascais, a minha mão dentro da tua.  Ficar a ver a chuva cair dentro do mar.  Passear sem destino.  Escolher o local para as próximas férias.  Coisas importantes e que não podem ficar sem ser feitas.  De todo!
Esta manhã, ao abrir os olhos, percebi que comecei a fazer hoje o caminho de regresso.  Para o lugar de onde vim.  Para ir ter contigo, ao sítio onde me esperas.  Para te voltar a abraçar.  Para ter, outra vez, tempo para te olhar, enquanto me falas de ti.  E me perguntas por mim.  E tanto que tenho para te contar...
Da próxima vez que aqui voltar, sei que não me vou lembrar que já cá estive antes.  Todas as memórias que me enchem a cabeça e o coração serão apagadas.  Ou não... porque, por vezes, tenho a sensação de estar neste tempo a viver uma outra vida paralela.  Como quem vive em dois mundos...

sábado, 7 de março de 2015

Se pudesse escolher, eu preferia não ter crescido.  Ter ficado para sempre pequena.  Ter os irmãos e os amigos todos do meu tamanho.  Brincar às escondidas no jardim, andar de bicicleta e saltar ao eixo ou jogar à macaca na escola.  Achar a minha casa enorme, dividir o quarto com o meu irmão.  Olhar para os pais e achá-los invencíveis.  Eram os meus heróis.  Ter respostas para as perguntas que fazia.  Ter tempo.  E livros e música por companhia.  Viver num mundo feito de sonhos.  Pensar que todos eram felizes. Olhar em redor e encontrar apenas pessoas vivas.  Morte?  Doença?  Infelicidade?  Dor?  Isso eram apenas jogos de letras que tinham sido criados para rimar com outras palavras.  O mesmo acontecia com pobreza, fome e solidão.
Não pude escolher e cresci.  Os irmãos estão longe e os amigos têm tamanhos diversos.  Cada um seguiu o seu próprio caminho.  Os pais são apenas gente que luta para sobreviver, tal como eu.  Isto por vezes é difícil, mas também nunca me prometeram que era fácil.  Há muito que passei a ser eu a minha heroína.  Ao meu lado tenho já alguns mortos que vivem comigo.  E algumas perguntas sem resposta.  O tempo que vou tendo é já pouco, mas a musica e os livros continuam sempre por perto.  E no meu mundo ainda existem muitos sonhos por estrear.
Sei que um dia vou parar de crescer.  Encontrarei aí as respostas que ainda procuro?

quinta-feira, 5 de março de 2015

O que se diz a um amigo que está a morrer?  Que tenha força?  Que tenha fé? 
Dizemos-lhe que, se pudéssemos, trocaríamos a nossa vida pela dele?  Que a morte é um desperdício?  Que o mundo vai ficar mais pequeno por ele ir embora?
Que nunca mais nada vai ser como dantes, como ainda agora, no tempo em que a presença dele é muito mais do que apenas uma lembrança?
Dizemos-lhe que ainda o sentimos aqui e que já morremos de saudades?
Conseguimos dizer-lhe tudo isto?   Pensamos... mas não sai nenhum som da nossa boca.
O que é que contamos sobre um amigo que acabou de morrer?
Que tudo isto é uma grande injustiça.  Uma merda, mesmo!  Que não está certo ele partir tão cedo e deixar a mulher, os filhos, a família e os amigos mais pobres, mais tristes, infinitamente mas sozinhos...
Por duas vezes fomos colegas de trabalho em empresas diferentes,  No entretanto, sofremos com as dores um do outro, eu com a tua doença, tu com o meu desemprego.  Amigo é mesmo assim, pode não estar sempre, mas está lá.  É assim que funciona isto. 
Na semana passada, acabaste o telefonema a dizer-me que me ias mandar um pouco de calor para aquecer o frio de que me queixava. Hoje, meu amigo, o meu coração gelou ao ouvir a noticia da tua morte...
Hoje apetece-me escrever sobre o adeus.  Sobre a despedida que acontece de todas as vezes que me venho embora e vos deixo para trás.  Sobre o vazio que me enche a alma.  Que me acompanha nesse dia e nos próximos e que se vai diluindo aos poucos à medida que o tempo passa.  À medida que se aproxima o reencontro que dará, depois, origem a um outro adeus.  Inevitavelmente.  Porque é dentro deste figurino que estamos a viver.  De todas as mudanças, esta é a que me custa mais, sem dúvida.  A que me deixa sem chão, sem brilho nos olhos, sem calor nas mãos...
Faço a viagem de regresso a falar de nós,   A maior parte das vezes, a fazê-lo para dentro de mim.  A rever momentos que vivem na minha memória.   A procurar cheiros e sons que estão lá dentro.  A fechar os olhos e a vê-los como se um filme fosse.  
Foi assim ontem, na viagem de regresso.  E fiquei na dúvida se as gotas que molharam o vidro durante todo o percurso caíram do céu em forma de chuva ou dos meus olhos com o nome de lágrimas.  Adoro-vos minhas filhas!

quarta-feira, 4 de março de 2015

Saudades dos pequenos almoços na casa da Avó.  Do cheiro a café e torradas que subia pela escada e nos acordava.  Das caixas de lata com os doces da Avó.  Dos mimos.  Dos bolos da Lina.  Dos risos da Rita.  Das birras da Inês. 
Saudades das conversas sem pressa.  E dos conselhos da Avó.  De ouvir "a Rita ajuda" ou  "a Inês faz".   
Saudades de ouvir a mão da Avó a bater com o anel de brazão na mesa, quando era hora de ralhetes.  E de as ver incrédulas a olhá-la e a rir logo a seguir.   
Saudades das maças do sr Mário.  O super-mário, como elas chamavam.  De colher tangerinas das árvores do jardim e de as comer, umas atrás das outras.  De as ver ir com a Lina pôr comida às galinhas.  E recolher os ovos.  E trazerem-nos para casa como quem transporta um cristal - "Mãe, mãe, olha o que eu tenho aqui!"   
Saudades do espaço daquela casa.  E dos cheiros que nos faziam sempre voltar.  E das vozes.  E da Avó.