quarta-feira, 25 de junho de 2014

De que adianta olhar para fora quando dentro de nós está o mundo?  Inteiro?  Aquele que nos acolhe, que nos abraça, que nós criámos?  Para quê querer ver o que acontece do outro lado, quando na nossa casa, na nossa alma, é um sem fim de emoções?  E todo o tempo que temos, todo o tempo que vivemos, já não vai ser suficiente para as saborear por inteiro?  Será egoísmo?  Poderá ser narcisismo?  Poderá?  Sempre vivi para dentro da minha vida, em função das minhas escolhas.  Os "outros" só existem porque eu estou aqui, porque eu os faço viver dentro de mim.  Acredito nisso.  E os outros "outros", os que eu não conheço, são seres sem eco nem sombra que apenas circulam à minha volta.  À nossa volta.  E que nem existem até um dia os conhecermos e os fazermos nossos qualquer coisa - nossos vizinhos, nossos colegas, nossos amigos, nossos amores.  E aí a nossa vida muda, por  causa disso, a vida deles fica misturada na nossa, nalguns casos entrelaçada, mesmo.  Ficamos mais ricos com o que nos trazem, sempre.  De outras vezes, ficamos vazios quando nos voltam as costas.  Quando decidem que o mundo lá fora é a casa deles e nos trocam assim, sem retorno.  E quando voltam a fazer parte dos "outros", os que não conhecemos, os que nem sequer existem.  De que serve um mundo inteiro lá fora quando dentro de nós está o universo?

domingo, 15 de junho de 2014

E se eu morresse hoje?  Se estes momentos em que escrevo fossem os últimos que tenho para viver?  Se, de repente, o sangue deixasse de circular nas minhas veias e o meu corpo fosse ficando frio, despedindo-se lentamente da vida?  Saindo daqui, de onde gosto tanto de estar e partindo sei lá para onde... Será que os que cá ficam saberiam acabar o que estou a deixar a meio?  Teriam tempo para isso?  Levariam até ao fim aquilo que estou a fazer agora ou apagariam estas letras e deixá-las-iam para sempre inúteis, como se nunca tivessem existido? Arrumariam as coisas que deixei para fazer amanhã, no seu devido lugar? Dividiriam os objectos e as memórias entre si?  E depois?  Seguiriam a vida deles como se eu continuasse a estar aqui, à distância de um telefonema?  Continuariam a lembrar-me de cada vez que a lua aparecesse elegante e sóbria, em quarto crescente, como eu gosto de a ver?   E de cada vez que chovesse no verão?  Recordariam como o mar me ajuda sempre a pensar melhor, a pôr as ideias em ordem?  E os sentimentos no lugar?  De como eu prefiro as margaridas às rosas?  O calor ao frio que me paralisa a circulação?  Guardariam na memória o desconforto que sinto no meio do ruído e da confusão?  A minha obsessão pela justiça?  Pelo diálogo?  Pela harmonia?  Em como não suporto desperdiçar o meu tempo?  E o deles?  Que é precioso, mesmo quando parece não fazermos nada? Continuariam a zelar pela sua saúde como se fosse eu a fazê-lo?  E a alimentar-se com cuidado?  Lembrar-se-iam de como tudo isto é frágil demais para perdermos tempo com o que não nos faz bem?  Com o tabaco?  Com o álcool?  Com o stress?  Com os amores que nos partem o coração?  Com os amigos que não o são?  E não nos merecem?  Continuariam a sentir o orgulho que eu tenho neles?  Por se terem transformado nas pessoas que são?  E que me deslumbram sempre?  Continuariam juntos e a apoiar-se mutuamente?  Como agora? Para que eu continue a sentir que tudo isto valeu a pena?  Que faria tudo igual, outra vez?  E, por ultimo, será que algum deles, no intervalo do choro (no intervalo do choque), pararia para pensar em como eu me sinto sozinha e desamparada, do  lado de lá da vida, sem a pele deles para tocar?

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Estava sozinha naquela esplanada em frente ao mar.  A sua única companhia era um livro que tinha comprado na véspera e em cuja leitura se tentava concentrar.  Em vão.  Os seus pensamentos corriam à velocidade da luz e ela tentava acompanhá-los, sem conseguir.  Não era bem isto que queria para si.  Naquele momento só conseguia pensar isso.  Todo o esforço feito, todos os sonhos, todas as horas passadas a preparar a viagem estavam agora reduzidos a nada.  Tudo foi demais, parece-lhe agora, nada foi suficiente, constata.  Todas as frases começam e acabam ali - não era isto que queria para si, não eram estes dias que tinha em mente quando aceitou aquele projecto.  Sempre fez, na vida, o que quis.  Sempre teve a sorte de poder decidir o seu destino.  Aprendeu sozinha que voltar para trás é, em alguns casos, dar um passo em frente.  Agora estava ali, livro na mão, o olhar perdido naquele mar imenso e o pensamento, inquieto, ia e vinha, sem sair daquela frase - não era esta a vida que queria estar a viver.   Que fazer? Encontrava-se num beco sem saída, a milhares de quilómetros de casa, dos seus quadros, dos seus livros, dos seus amores.  Das suas rotinas, também.  E sentia-lhes a falta, apesar de sempre dizer que não era mulher de criar raízes.  Apesar de sempre achar que aquecer lugares não era para si. Agora e por isso, ela sabia que tem de mudar.  O seu coração já não estava ali, faltava só ter vontade de se levantar e de o acompanhar.  Ela acredita que o final do caminho acontece quando quiser,  quando sentir que não adianta dar mais passos em frente.  Porque o destino é feito todos os dias e nem sempre as decisões que tomámos anteriormente se encaixam nele.  E, também, porque não é justo sermos vítimas das nossas próprias escolhas.
E naquele momento, Maria fez uma escolha.  Pousou lentamente o livro em cima da mesa, acabou o sumo de laranja que ainda restava no copo e levantou-se.  Sabia que estava certa, porque era livre para escolher.  E só podia ser assim!  O que tinha de fazer era meter de novo a sua vida dentro de uma mala e seguir o caminho que a levava em direcção ao futuro.  Lá, onde quer que fosse, haveria sempre um mar imenso à sua espera quando fosse tempo de reflectir...

terça-feira, 3 de junho de 2014

Porque é que eu gosto tanto de ti?  Porque sim.  Porque saíste de mim, mas continuas a estar sempre cá dentro.  Porque foi contigo e por tua causa que o meu nome passou a chamar-se "mãe".  Porque ainda não chegavas à mesa e já dizias "a Rita ajuda".  Porque me fizeste voltar a gostar de brincar às bonecas, quase aos trinta anos.  Porque me ensinaste a trocar uma ida às compras por uma tarde num parque infantil.  E a não me importar com isso.  Porque me mostraste que a praia sem bronzeado também fazia sentido, quando era para ficar a apanhar conchinhas contigo.  Porque o sono - sim, o tal sono! - aprendeu a ficar desperto ao menor ruído que tu fizesses.  E a não reclamar por isso.  Porque me deixavas maravilhada com cada progresso teu.  Com o começar a andar aos dez meses, quando de repente te viraste e caminhaste na minha direcção.  Com as palavras que ias dizendo e as coisas, várias, que me querias sempre mostrar.  Porque dizias "oh mãe, a Rita gosta tanto de ti" e eu já não te conseguia ralhar.  Pela tua alegria, pela tua teimosia   Sim, pela tua teimosia, também.  Por nós.  Sempre juntas, sempre cúmplices, sempre... 
Porque é que eu não sei viver sem ti?  Porque não.  Porque me fizeste perceber que o amor não tem medida nem necessita de fazer sentido.  Porque aprendi contigo que se é bom, é sempre para repetir.  E, então, chegou ela para nos completar.  Para que a minha outra mão não ficasse mais tempo vazia.  Para te ensinar a partilhar.  A cuidar.  A competir, também.  E a mim, a amar mais, ainda.