segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mais uma vez em viagem, ela já perdeu a conta do número de vezes que fez e desfez a mala.  Do número de vezes que comprou bilhetes de ida e volta.  Dos quilómetros já feitos.  Dos que ainda tem pela frente e não sabe.   De todas as vezes que pediu um lugar à janela e no sentido da marcha do comboio.  Porque ela acha que ir de costas é anti-natura e também porque gosta de ver a paisagem por onde passa.  Ainda que seja de noite e apenas existam luzes lá fora a brilhar na escuridão.  
Nestes últimos meses já correu mais vezes o país do que em toda a sua vida.  Já sentiu calor e frio, já teve sono e quase dormiu com medo de não acordar, já esgotou o repertório das músicas que tem gravadas no seu telemóvel.  Desta vez o seu destino é a estação final, desta vez até pode adormecer à vontade porque não corre o risco de perder a saída  e não dar conta.  Mas acontece sempre assim, ela já está habituada.  De todas as vezes que podemos fazer alguma coisa, essa coisa perde a oportunidade ou o interesse.  Portanto o sono é algo que não faz parte dos seus planos de viagem, que não a acompanha desta vez.  Ler também não, apesar do José Luis Peixoto estar dentro da sua  mala à espera de ser lido.  "Hoje não" é o nome do livro e é também o que ela pensa sobre ele.  Hoje não, agora é tempo de escrever o que lhe passa pela cabeça e pelo coração, logo mais no hotel, quem sabe, terá tempo para ele. 
Pensar e ouvir música é já companhia suficiente.
Por vezes, quando o cansaço chega, ela deseja que esta seja a última viagem.  Outras não, parar é morrer, já dizia a avó Maria e é bem certo.  Parar, para ela, só o tempo suficiente de preparar as coisas para começar a andar outra vez.  Nos últimos tempos a sua vida tem sido um atravessar de estradas - "pare, escute e olhe" e siga em frente.  Porque não há tempo para perder tempo.   Por vezes podem ser passos inseguros,  hesitantes, cautelosos, mas sempre para a frente.  No sentido da marcha e, de preferencia, à janela.  Porque tem viagens que atravessam todas as estações do ano, como a de hoje com sol, chuva e granizo.  Porque a paisagem que vemos lá fora é sempre melhor do que a que temos ao nosso lado, quando viajamos sozinhos.  E, de certa forma, é ela que viaja connosco, como se estivéssemos parados e ela seguisse, rápida, no sentido contrario ao da marcha, apenas para nos mostrar a nossa evolução.  
Do número de coisas que já perdeu a conta, também faz parte a saudade.  E a solidão.  E a esperança.  Que ela se habituou a dobrar e a embalar como faz com as camisolas e os vestidos, mesmo ao lado do perfume que a acompanha todos os dias da sua vida.

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