Mais uma vez em viagem, ela já perdeu a conta do número de vezes que fez e desfez a mala. Do número de vezes que comprou bilhetes de ida e volta. Dos quilómetros já feitos. Dos que ainda tem pela frente e não sabe. De todas as vezes que pediu um lugar à janela e no sentido da marcha do comboio. Porque ela acha que ir de costas é anti-natura e também porque gosta de ver a paisagem por onde passa. Ainda que seja de noite e apenas existam luzes lá fora a brilhar na escuridão.
Nestes últimos meses já correu mais vezes o país do que em toda a sua vida. Já sentiu calor e frio, já teve sono e quase dormiu com medo de não acordar, já esgotou o repertório das músicas que tem gravadas no seu telemóvel. Desta vez o seu destino é a estação final, desta vez até pode adormecer à vontade porque não corre o risco de perder a saída e não dar conta. Mas acontece sempre assim, ela já está habituada. De todas as vezes que podemos fazer alguma coisa, essa coisa perde a oportunidade ou o interesse. Portanto o sono é algo que não faz parte dos seus planos de viagem, que não a acompanha desta vez. Ler também não, apesar do José Luis Peixoto estar dentro da sua mala à espera de ser lido. "Hoje não" é o nome do livro e é também o que ela pensa sobre ele. Hoje não, agora é tempo de escrever o que lhe passa pela cabeça e pelo coração, logo mais no hotel, quem sabe, terá tempo para ele.
Pensar e ouvir música é já companhia suficiente.
Por vezes, quando o cansaço chega, ela deseja que esta seja a última viagem. Outras não, parar é morrer, já dizia a avó Maria e é bem certo. Parar, para ela, só o tempo suficiente de preparar as coisas para começar a andar outra vez. Nos últimos tempos a sua vida tem sido um atravessar de estradas - "pare, escute e olhe" e siga em frente. Porque não há tempo para perder tempo. Por vezes podem ser passos inseguros, hesitantes, cautelosos, mas sempre para a frente. No sentido da marcha e, de preferencia, à janela. Porque tem viagens que atravessam todas as estações do ano, como a de hoje com sol, chuva e granizo. Porque a paisagem que vemos lá fora é sempre melhor do que a que temos ao nosso lado, quando viajamos sozinhos. E, de certa forma, é ela que viaja connosco, como se estivéssemos parados e ela seguisse, rápida, no sentido contrario ao da marcha, apenas para nos mostrar a nossa evolução.
Do número de coisas que já perdeu a conta, também faz parte a saudade. E a solidão. E a esperança. Que ela se habituou a dobrar e a embalar como faz com as camisolas e os vestidos, mesmo ao lado do perfume que a acompanha todos os dias da sua vida.
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