quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Ela esteve aqui hoje a desabafar.  Não era para falar dela que vinha, o que a trouxe cá foi um assunto de trabalho, mas bastou eu perguntar se estava tudo bem.  Do nada começou a contar-me tudo, a falar dos filhos, do companheiro, da solidão que sente, dos sonhos que lhe estão ser cortados antes mesmo de os sonhar.  Toda a vida viveu para os filhos, três ao todo, ficou viúva com o mais novo ainda dentro dela.  Depois os dias foram acontecendo entre fraldas, biberões, termómetros e xaropes.  Nunca teve muito tempo para abraços e caricias.  Nem para contar historias na hora de os adormecer.  Todo o tempo era pouco para a lida da casa, para a comida, para o tratamento da roupa.  Nunca teve tempo para lágrimas ou desabafos.  Os dias não eram bastantes para tratar dela, para sentir a solidão, para se olhar ao espelho.  À volta ninguém estranhava, cada um vivia apressado dentro da sua própria vida e os olhos tristes dela nunca foram notados.  Nem a família, nem os amigos, nem os vizinhos se questionavam porque motivo ela nunca sorria.  Nem porque nunca a ouviam cantar.  Os filhos cresciam, os dias passavam e ela desaprendia as canções da juventude e as gargalhadas.  Porque quando nos desabituamos de sorrir é como se nunca o tivéssemos feito antes.  Hoje vive com três adultos, de quem continua a cuidar.  Já não lhes dá a comida na boca, mas continua a cozinhar para eles.  Porque sempre foi assim.  De há uns tempos para cá conheceu um homem que reparou nela.  Que a olhou de forma diferente, que lhe perguntou porque nunca sorria.  Devagar começou a ver-se ao espelho, a procurar arranjar-se, a cuidar de si.  Aos poucos interiorizou que também ela tinha espaço para ser amada.  Merecia isso.  Ainda ia a tempo, ainda valia a pena.  Um dia ele falou-lhe em serem a companhia um do outro e ela ficou sem saber o que dizer.  Precisava de contar aos filhos, tinha a certeza que eles iam ficar felizes, que aprovariam a ideia.  Achava que todos a queriam ver feliz.  Mas não foi isso que encontrou.  Os filhos, que sempre se habituaram a vê-la sozinha, entendiam que a mãe não precisava de ninguém e que nada devia mudar.  Sempre foi assim, para quê fazer diferente?  E ela viu-os como nunca os tinha visto.  E ouviu e disse-lhes o que nem acreditava ser possível.  E agora, está aqui à minha frente, com lágrimas nos olhos e revolta no coração, sem saber o que fazer, à espera de um milagre que mude o pensamento dos filhos ou, quem sabe, desejando nunca ter ousado ser feliz.  Ouvi-a e questionei-a sobre o que ela quer para si.  Sobre o futuro.  Sobre o egoísmo encoberto dos filhos.  Ela está perdida e dividida.  E vazia.  E, enquanto isso, a minha sala fica cheia com os desabafos dela e com a minha impotência em a poder ajudar... Quando ela sai, penso que a felicidade é um vicio que não devemos contrariar.  E que a nossa vida tem mesmo de ser a coisa mais importante do mundo para nós.

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