E se eu morresse hoje? Se estes momentos em que escrevo fossem os últimos que tenho para viver? Se, de repente, o sangue deixasse de circular nas minhas veias e o meu corpo fosse ficando frio, despedindo-se lentamente da vida? Saindo daqui, de onde gosto tanto de estar e partindo sei lá para onde... Será que os que cá ficam saberiam acabar o que estou a deixar a meio? Teriam tempo para isso? Levariam até ao fim aquilo que estou a fazer agora ou apagariam estas letras e deixá-las-iam para sempre inúteis, como se nunca tivessem existido? Arrumariam as coisas que deixei para fazer amanhã, no seu devido lugar? Dividiriam os objectos e as memórias entre si? E depois? Seguiriam a vida deles como se eu continuasse a estar aqui, à distância de um telefonema? Continuariam a lembrar-me de cada vez que a lua aparecesse elegante e sóbria, em quarto crescente, como eu gosto de a ver? E de cada vez que chovesse no verão? Recordariam como o mar me ajuda sempre a pensar melhor, a pôr as ideias em ordem? E os sentimentos no lugar? De como eu prefiro as margaridas às rosas? O calor ao frio que me paralisa a circulação? Guardariam na memória o desconforto que sinto no meio do ruído e da confusão? A minha obsessão pela justiça? Pelo diálogo? Pela harmonia? Em como não suporto desperdiçar o meu tempo? E o deles? Que é precioso, mesmo quando parece não fazermos nada? Continuariam a zelar pela sua saúde como se fosse eu a fazê-lo? E a alimentar-se com cuidado? Lembrar-se-iam de como tudo isto é frágil demais para perdermos tempo com o que não nos faz bem? Com o tabaco? Com o álcool? Com o stress? Com os amores que nos partem o coração? Com os amigos que não o são? E não nos merecem? Continuariam a sentir o orgulho que eu tenho neles? Por se terem transformado nas pessoas que são? E que me deslumbram sempre? Continuariam juntos e a apoiar-se mutuamente? Como agora? Para que eu continue a sentir que tudo isto valeu a pena? Que faria tudo igual, outra vez? E, por ultimo, será que algum deles, no intervalo do choro (no intervalo do choque), pararia para pensar em como eu me sinto sozinha e desamparada, do lado de lá da vida, sem a pele deles para tocar?
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