quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Era Mário o nome dele.  Cresceu a ouvi-lo e a ouvir-se chamá-lo.  Foram amigos primeiro, durante anos.  Namorados depois.  Nunca conheceu outro amor, para ela o Mário era toda a sua vida.  Céu e Mário.  Nos seus nomes cabiam as cinco vogais do alfabeto.  O futuro, todo o resto da vida, ia ser deles os dois, ou melhor, deles os três, descobriram entretanto.  Tiveram, por esse motivo, que antecipar o casamento.  Ficaram felizes e assustados mas não se importaram.  Ter filhos era mesmo o seu sonho e este só estava a vir um pouco cedo demais.  Às famílias justificaram com a ida do Mário para França, atrás de um emprego melhor.  E todos aceitaram e ajudaram nos preparativos para a festa.  Tudo foi preparado com alegria, desde o vestido aos convites, a escolha do local para o copo-de-àgua, a decoração da igreja.  Tudo seria simples mas bonito.  Seria, certamente, um casamento inesquecível e depois só a felicidade estaria no caminho deles.  Até àquele telefonema.  Ela soube-o, antes mesmo de atender.  E, pela tremura com que disse "estou...?", percebeu que a sua vida tinha terminado no exacto momento em que a centenas de quilómetros dali, num estúpido acidente de carro, a vida do Mario tinha acabado também.  Faltavam quatro dias para o casamento de sonho que nunca chegou a acontecer.  Ela chorou, gritou, quase que enlouqueceu e, por uns tempos, esqueceu-se da vida que trazia dentro de si a crescer.  Sete meses depois foi mãe e pai para o resto da vida.  Era um menino, tinha os olhos dele e ela deu-lhe o único nome que conhecia.  Viveu com ele e para ele, só para ele, nos seis anos que se seguiram.
Um dia, numa saída de colegas, conheceu o Carlos.  Gostou dele, das atenções que o via ter com o seu filho e com ela e, quando se deu conta, estava de novo a preparar um casamento.  Tudo quase igual, como um dėjà-vu,  só que desta vez muito mais triste, infinitamente mais triste...
A primeira vez que ele lhe bateu foi durante a gravidez.  Foi um choque para ela.  Ele achava que ela pensava no noivo falecido de cada vez que olhava para o filho mais velho, de cada vez que o chamava pelo nome.  Como se fosse preciso isso, quando as memórias não a abandonavam nunca.  Ele tinha ciúmes e vingava-se no pequeno Mário, implicando com ele por tudo e por nada.  Nem o nascimento da filha e, mais tarde, de um outro filho, o modificou.  O tempo foi passando e a vida da Céu fazia lembrar o inferno na terra.
De há uns meses para cá ganhou coragem e deixou-o.  Os filhos estão crescidos e prontos para seguir o seu caminho.  Ela mudou de trabalho, cuida agora de crianças deficientes e, nas folgas, dá uma ajuda no restaurante do irmão.  Conheci hoje esta mulher.  Ajudei-a a resolver um acidente que teve com o carro que conduzia.  E ajudei-a, sobretudo, quando parei para ouvir a sua história.  Assim, de rajada, como se já não tivesse muito tempo pela frente.  Parece-me que ela sabe que ele a espera num qualquer altar de uma igreja para lhe segurar na mão e ficarem juntos para sempre.  Parece-me, ainda, que àqueles dois não há vida ou morte que os separe...

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