segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Posso até ter perdido a beleza com o passar dos anos ou ter ganho algumas rugas e muitos mais cabelos brancos do que gostaria.  Posso não conseguir vestir mais aquele vestido que tanto gostava por o achar demasiado curto.  Posso precisar de fazer um esforço para ver ao perto quando acabo de acordar e os meus olhos ainda despertam lentamente.  Posso já não ter paciência para música aos berros ou para gente burra.  Estas são algumas das características que vou ganhando com a idade.  Todas aceito, de forma mais ou menos pacifica, mais ou menos conformada.  Todas elas eu consigo remediar ou relativizar, pintando o cabelo, disfarçando as rugas com uma maquilhagem suave, ou trocando o vestido curto por uma saia mais comprida.  Sem qualquer problema.  Com a idade aprendi que a melhor forma de envelhecer é aceitar a passagem do tempo de uma forma harmoniosa.  Não ganho nada em o contrariar, só me tornaria uma pessoa mais ansiosa e desgastada.  Aceito que tudo isto tem um propósito, que nada acontece por acaso.  Envelhecer não é deixar de me sentir jovem nas minhas opções de vida, na forma como as concretizo no meu dia-a-dia, como as transmito aos demais.  Envelhecer é mais deixar as memórias de lado e viver apenas hoje e para hoje.  Acredito que o tempo é o que fazemos dele, não o que deixamos que ele faça de nós.  E usar as memórias, as boas e as menos boas, poder tê-las connosco, é um privilégio que não vou querer perder.  Posso até precisar de óculos para ver ao perto, dentro de pouco tempo, ou ter de baixar o volume do rádio por estar demasiado elevado, mas quero que a minha memória continue sempre como até aqui, inteira e lúcida.  Nesse campo eu não vou querer envelhecer nunca.  Só assim poderei guardar a tua voz a chamar o meu nome, os olhos dele quando me via, os sorrisos delas quando era hora do reencontro.  Só assim poderei continuar a recordar aquela noite à beira Tejo em que meteste o meu frio dentro do teu casaco.  Ou a outra, algum tempo depois, em que me seguraste a mão e me perguntaste se eu aceitava fazer o resto do caminho ao teu lado.  Estes e tantos outros momentos que me acompanham e que são a minha bagagem de mão...
O tempo é o que fazemos dele.  E o que conseguimos ser com o passar dele.  E as memórias, as boas e as outras, são uma parte integrante desse mesmo tempo.  São o que me ajuda a aceitar sem reserva o que vou viver amanhã, ainda antes mesmo de se juntar ao resto da bagagem.

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