sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Parada na passadeira à espera do sinal verde para os peões, reparei naquele rapaz do outro lado da rua.  Parecias tu há alguns anos atrás, naquela noite em que tiraste o teu casaco para o colocar nos meus ombros, vestindo o frio que fez de repente e me apanhou desprevenida.  Tínhamos ido tomar um café junto ao rio, naquele local que passou a ser um dos nossos e, no final, decidimos dar um passeio a pé antes de ir para o carro.  Estava uma noite fantástica mas fria e eu, com a minha mania de andar sempre de "corpinho bem feito", estremeci quando me senti na rua. Valeste tu e a tua atenção para me salvar e permitir, assim, que o nosso passeio não ficasse por acontecer.  
Lembro-me que nunca tínhamos dado as mãos antes dessa noite, nunca tinha sentido a tua mão forte a segurar a minha com a certeza de que seríamos para sempre companheiros ainda antes de sermos amantes.  Porque uma coisa não pode nunca ser sem a outra, senão não resulta e tu já sabias isso.  E resultou nos últimos dez (onze?) anos em que andámos de mão dada, em que tomaste conta da minha vida como se fosse tua, em que respeitaste os meus silêncios, o meu espaço e a minha necessidade de estar sozinha de vez em quando.  Ainda que isso te baralhasse as emoções e te causasse alguma insegurança.  Mas, percebias, eu estava há demasiado tempo por minha conta e risco para, assim de repente, passar a fazer parte de um par.  E eu aprendi a amar-te, também, por isso.
A vida ao teu lado foi como flutuar em cima de nuvens de algodão.  Alegria e paz eram as palavras que me vinham à mente, quando pensava em nós.  Tu, que não estavas habituado a tanta harmonia numa relação, valorizavas todos os dias as pequenas coisas que fazíamos em conjunto.  E eu gostava.
Davas a volta à cidade inteira só para me ver, só para me levares um chocolate.  E sorrias quando eu reclamava que não queria engordar.  Para ti eu era única, eu era todas, nunca mais amaste assim, tenho a certeza.
Esperavas por mim o tempo que fosse preciso, nada era mais importante que estarmos juntos. 
Falhaste quase todos os meus aniversários.  Era sempre complicado estares no meio de agosto em Lisboa e eu percebia isso.  
Estiveste ao meu lado nos momentos em que mais precisei.  Quando chorei sem parar no funeral da minha avó e em todos os dias seguintes.  Quando fiquei imóvel a olhar o tecto da UCI daquele hospital, entubada e ligada a máquinas e sem perceber como tinha ido ali parar.  Naqueles 12 dias, todas as manhãs e todas as noites tu ficavas ao meu lado até te pedirem para sair. 
Desde que te conheci, sempre que a vida me fez tropeçar e cair, era a tua mão que eu encontrava para segurar a minha. 
Depois disso houve intolerância, desencontros, reencontros, desamor mas essa parte eu já não guardei.

Porque é que acabou um amor assim?  Porque é que o tempo nos transformou em dois estranhos, nós que um dia íamos ficar juntos para a vida?  Acho que sei a resposta.  Porque nada é para a vida, nem a própria vida.  Só mesmo as memórias ficam para sempre connosco.  E eu faço questão de guardar apenas as que me fazem sorrir porque as outras, as que em tempos me partiram o coração, são agora inúteis e em vão.

Sem comentários:

Enviar um comentário