sábado, 25 de outubro de 2014

Nove e meia da noite e ela sem aparecer.  Tinham combinado ir juntos ao cinema, depois de jantar e ele até já tinha comprado os bilhetes para evitar atrasos de última hora.  O filme que iam ver tinha estreado há uns dias e era difícil arranjar lugares bem posicionados.  Ele não gostava de ficar perto demais do ecrã, ela, míope não assumida, preferia ficar logo nas primeiras filas, enfim, tinham sempre que chegar a um consenso e decidir por uma das filas a meio da sala.  A sessão começaria dentro de 15 minutos e ele não conseguia perceber a razão deste atraso.  Logo ela que nunca chegava tarde, logo ela que sempre avisava quando algum imprevisto acontecia... e olhava de novo para o relógio de pulso.
Tinham discutido ao telefone por um mal entendido sem importância, pelo menos para ele, e nem queria acreditar que a ausência dela se devia a isso.  Ela era sempre tão tolerante, dava a impressão de suportar tudo e compreender sempre o que acontecia.  E é claro que não ia ser um desentendimento sem importância que ia alterar isso.
Na semana anterior ele respondera a uma colega, por mensagem, e fora mais intimo do que era suposto.  E do que era sentido, porque aquele flirt que lhe estava a nascer nas mãos não lhe dizia de facto nada.  Quis ser galã, ter a sensação de ser um D Juan por umas horas e depois passava.  Mas não passou.  Era apenas uma brincadeira sem consequências, ele até nem achava a colega nada de especial, apeteceu-lhe brincar com o fogo e a seguir lavar as mãos, mas não resultou.  A colega entrou na brincadeira e quando ele deu por isso, ela levara demasiado a serio as suas investidas e pensou que teria ali um amor para a vida.  As mulheres são naturalmente românticas e fazem logo o filme todo, achava ele.  Ela até já o imaginava a deixar a namorada e a viverem juntos para o resto da vida.  E agora?  Como se ver livre deste novelo que ele próprio tinha tricotado?   Como pôr um ponto final numa historia que, para ele, nem sequer tinha tido principio?  O melhor era deixar o assunto morrer por si, desejava intimamente que a namorada nem desse conta e que a colega se esquecesse dele. 
Mas não foi isso que aconteceu.  A namorada começou a estranhar o telemóvel dele sempre em silencio, a preocupação em ler logo as mensagens que entravam e as apagar de seguida.  A "outra", coitada, tinha sido induzida em erro e agora queria o seu pedaço...  e não parecia querer abdicar dele!
Acabou por contar tudo à namorada.   Ou melhor acabou por ser levado a contar tudo porque ela o questionou directamente.  Ele até ia contar, desabafar com ela, procurar a solidariedade dela nesta história em que se considerava vítima, mas ela chegou primeiro.  E não foi bonito.  Para ele ela tinha apenas que entender e a "outra" que esquecer.  Simples!
Há desencontros que não servem para nada.  Há aventuras que nos cortam as asas, mesmo antes de começarem.  Há alturas na vida em que apetece ter um botão de "delete" para carregar.   E  percebeu que a espera, à porta do cinema com os bilhetes na mão, era apenas a primeira de muitas que  teria daí em diante.

"Desculpa!", escreveu mais tarde numa mensagem.  "Eu não tenho nada com ela e isto foi tudo um mal entendido.  Tu és quem eu quero para a minha vida."   Mas ela já não leu nada disto.  Nem iria responder.  Sentada dentro do carro, numa qualquer rua de Lisboa, acabara de ver com os seus próprios olhos tudo o que ele tinha escrito à "outra", durante uma semana inteira e decidira, naquele momento que já não queria ser a vida dele.  "Nada é para a vida", pensou "nem mesmo a própria vida"...

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