quarta-feira, 23 de julho de 2014

Entrou na estação dos correios e dirigiu-se à máquina para tirar a senha.  Era hora de almoço.  À sua frente estavam mais de quinze pessoas que, também como ela, aguardavam a sua vez.  Ao entrar sentiu-se observada dos pés à cabeça.  Os primeiros momentos são sempre assim, já está habituada, depois, lentamente, volta cada um à sua vida, aos seus pensamentos e ela pode, finalmente, sentir-se aliviada.  É um efeito que não lhe agrada.  Nunca lhe agradou.  Dar nas vistas, como se costuma dizer na gíria, nunca lhe provocou  satisfação ou vaidade, pelo contrário às vezes até até a deixa desconfortável.  Mas é inevitável.  Pela elegância, pela altura, pela cor do cabelo, vá-se lá saber... os primeiros momentos são sempre dela sem que ela os tenha pedido.  E, quando isso acontece, na maior parte das vezes, até fica sem saber muito bem o que fazer com tantos olhares.  Hoje foi assim, uma vez mais. Aos poucos, os outros foram retomando as conversas que tinham ficado suspensas e só aqueles olhos ficaram colados nela como se houvesse um íman virtual.  Será que a achou parecida com alguém que conhece?  Será que a conhece?  Que a quer guardar na memória para a recordar depois?  Apetece-lhe perguntar-lhe porque a olha assim tão fixamente.  Quase que o faz.  E no íntimo já imagina ouvir a justificação dele "recordou-me uma antiga namorada que nunca consegui esquecer" ou "quando a vi entrar, pensei que tinha recuado no tempo e que estava a ver a minha irmã"... ou outro qualquer motivo bom.  E ela sorriria e ficaria por ali a conversa.  Mas não, não chegou a questioná-lo e também não ouviu a resposta dele.  Naquele momento, já outra coisa tinha chamado a sua atenção.  Os pensamentos e as conversas em voz baixa foram abafados pelo som estridente do alarme, accionado pela carteira de uma rapariga que saía.    Nada de preocupante, uma chave com código ou um telemóvel tinham provocado aquele desassossego.  Nada mais.  A rapariga lá foi à sua vida, depois de se ter justificado à funcionária e, de repente, como se tivessem pressa, todos tinham uma história idêntica para contar, desde a carteira que fazia tocar os alarmes das lojas porque trazia dentro o código, à chave do carro que era especial e que também provocava esse efeito, ao telemóvel que tinha sempre que ser desligado antes de entrar porque dava vida aos sensores.  De repente, todos eram iguais nas experiências de vida que agora partilhavam.  Ela também sentiu que tinha essa característica, só que não comentou com ninguém.  Sempre que entrava num local, os sensores que accionava não eram os do alarme, mas sim dos pares de olhos que se viravam na sua direcção sem que o pudesse evitar.  E sorriu para dentro, para si mesma, com a comparação que acabara de encontrar...

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