sábado, 26 de abril de 2014

Pessoalmente pouco tenho que saudar no 25 de abril. As memórias que tenho desse dia misturam-se com muitos sentimentos e quarenta anos ainda não chegaram para os arrumar no seu lugar. Aquele dia teria sido um qualquer dia de abril como tantos outros, não fosse o facto da minha vida ter mudado completamente a partir dele. Seria apenas mais um dia. Nessa manhã, a minha mãe desembarcaria em Lisboa, vinda de Moçambique, acompanhada pelos meus dois irmãos mais novos, para surpreender os avós que faziam anos de casados no dia seguinte. Ia ser uma surpresa fantástica! Mas a vida não quis assim. Semanas antes fomos todos surpreendidos com a doença incurável que se abateu sobre o Miguel e que veio alterar todos os planos do resto das nossas vidas. E o destino da viagem de avião já não foi a metrópole mas sim a África do Sul, onde ele passou a ser consultado mensalmente até à operação, alguns meses depois.
"Un coup d'étad à Lisbonne", dito por um taxista numa rua de Joanesburgo e que entretanto os confundiu com franceses - foi assim que os meus pais souberam da revolução que estava a acontecer a milhares de quilómetros. E aí? O que era isso comparado com o golpe que a vida lhes estava a infligir? E que acontecia ali mesmo, dentro daquele taxi, dentro da cabeça deles? Naquele momento e durante muito tempo, o 25 de abril ia ter de esperar... O Miguel teria apenas um mês de vida - 30 dias! - no diagnóstico daquele médico e nada poderia ser feito para o reverter. Logo ele, que nunca tinha estado doente nos seus quatro anos de vida. Logo ele, com quem eu dividia o quarto, o signo, as brincadeiras...
Por causa desse 25 de abril e do que ele provocou na vida das pessoas, a família separou-se, os amigos deixaram de se ver, as rotinas foram quebradas. Os dias passaram a ser inseguros e a rua ficou armada. Expressões novas e até aí desconhecidas passaram a decorar muros e paredes. Palavras como mentira, morte e desconfiança tomaram o lugar de outras e os dias deixaram de fazer sentido. Não foi só sem as irmãs e as brincadeiras que eu fiquei de repente. Foi sem os colegas, os amigos, os móveis, a casa. E a saúde do Miguel. Naquele ano cresci décadas. E nunca mais nada foi igual.
Pessoalmente pouco quero recordar essa data. E das outras que se lhe seguiram. Mas nem é preciso querer. As lembranças vivem dentro de mim todos os dias e quarenta anos não foram suficientes para as dissipar.

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