terça-feira, 25 de março de 2014

Ela viajou de longe para ir a Fátima cumprir uma promessa.  Queria agradecer a Nossa Senhora o ter sobrevivido à doença que a deixou numa cama de hospital durante semanas.  Tinha a certeza que foi a fé que a salvou, mais do que os cuidados médicos a que esteve sujeita e os medicamentos que ainda hoje toma regularmente.  Escolheu vir no verão para aproveitar os dias longos e poder dar uns passeios pelo país.  Já agora, com o dinheiro que ia poupar na estadia em casa de uns primos, visitaria alguns locais que só conhecia dos folhetos turísticos.  A serra de Sintra e os seus palácios, o Mosteiro dos Jerónimos na capital e o Portugal dos Pequenitos em Coimbra, eram locais que faziam parte do seu roteiro de duas semanas de viagem.  O resto do tempo ficaria ao critério dos primos que faziam questão de lhe mostrar o melhor do nosso país.  E que a esperavam com muita ansiedade e alegria.
No Brasil tinha deixado os pais e o irmão, ainda mal refeitos do susto que a sua doença lhes provocara.  A mãe não a queria deixar vir, receava uma recaída, mas a sua teimosia foi mais forte.  São só 15 dias, dizia ela, ao mesmo tempo que lhe falava na promessa que tinha de cumprir.  Deixou também para trás o eterno namorado, ou o pouco que sobrava de um namoro de escola.  Agora, quando o recordava, só lhe vinha à ideia a imagem dele encostado a uma coluna no aeroporto, a vê-la partir.  Durante algum tempo ainda tentara convencê-lo a viajar com ela mas ele não quis.  Não era para ser, pensava ela agora...
O tempo voou, desde que aterrou na Portela, naquela tarde.  Sentiu-se pequenina em Fátima, deslumbrada nos Jerónimos, enorme no Portugal dos mais pequenos.  Visitou outros lugares, fez amigos novos, conheceu o Rafael, colega de trabalho do seu primo.  A viagem de regresso foi adiada, depois remarcada e, por fim, esqueceu o bilhete no fundo de uma gaveta.  Decidiu ficar por cá sem data para regressar.  Arranjou trabalho.  Mudou de casa dos primos para perto do Rafael.  Mas nem tudo foi fácil. Chorou muito nos primeiros tempos, com o peso da sua opção.  Os pais não aceitaram essa escolha e fizeram-na sentir orfã.  O irmão e uma ou outra amiga eram as únicas vozes que a procuravam do outro lado do mar.
Hoje, doze anos depois, prepara-se para ir de novo a casa.  As saudades venceram o ressentimento e tudo se recompôs.  Quer apresentar-lhes o marido e a filha que só conhecem de fotografias que envia regularmente.  Quer que vejam que se transformou numa mulher segura e feliz.  Quer tocá-los e abraçá-los, conversar com eles e ouvi-los rir com as brincadeiras da neta.  Quer desfrutar de todos os dias sem se lembrar que é só por três semanas.  E, quem sabe, quer olhar para aquela coluna no aeroporto de S Paulo e reencontrar o amor adolescente que lá ficou encostado, enquanto a via partir em direcção ao futuro.

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