Na sala a lareira acesa aquecia as conversas e o ambiente. Sentada no sofá, observava o crepitar das chamas e sentia-me em casa. Como sempre acontece, a visão do fogo produz em mim um efeito quase mágico. Era a primeira vez que os visitava. Tinhamos estado a jantar juntos, num restaurante, para comemorar o meu recente emprego e a minha vinda para esta cidade. Quando os deixei em casa não resisti ao convite para entrar e acabar as conversas que estavam a meio. Falámos da casa, que era fantástica, do cão de guarda que dormia no jardim e nem deu por nós, dos netos que enchiam os espaços com brincadeiras em outros dias. Falámos de afectos, de memórias, de saudades. Sobretudo da saudade que hoje sentem dos filhos e netos que vivem longe e que só vêem de vez em quando. Têm de manter vivas as recordações, disse-lhes eu, é o truque que uso quando a saudade aperta. Só assim consigo enganar a distância, iludir a falta. E de repente, como que a comprovar isso mesmo, a sala ficou cheia de risos infantis. Pela minha frente passaram duas crianças a correr, ao mesno tempo que uma outra mais velha, sentada ao meu lado no sofá, lia uma história em voz alta. Chamava-se "a princesa e a ervilha", também a conheci de um outro tempo e a contei às minhas filhas. E isso fez-me sorrir. Naquela noite, naquele espaço, estiveram juntas muitas infâncias. Os netos e os filhos daquele casal, as minhas próprias filhas, eu mesma. Rimos e cantarolámos em conjunto, jogámos à macaca e à apanhada e, no final, sentámo-nos no chão, em roda, a ouvir a história da princesa que provou que o era graças a uma prquena ervilha. Naquela noite, naquela sala aquecida pela lareira, a saudade ficou de lado e os afectos ocuparam todo o espaço. As vidas, várias, que estiveram comigo ali eram tão reais que quase lhes conseguia tocar. E eu sorri com esse pensamento. É o truque que uso para afastar a tristeza, iludir a distância e adiar a saudade.
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