Enquanto retirava a maquilhagem em frente ao espelho, ela não conseguia conter as lágrimas. "Estou cansada de ser forte. De cair e levantar-me do chão, como uma mola, tão depressa que os outros nem chegam a dar conta", pensava ela, sentindo que os pensamentos eram temperados com o sal que lhe vinha dos olhos.
Toda a vida foi assim, nem ela sabe como é ser de outra forma. Em pequena já negociava em casa para os irmãos se portarem bem, para que a mãe não tivesse incómodos, para que o pai gostasse das notas da escola... "pede desculpa ao teu pai por teres tido bom no teste", dizia-lhe a mãe. E ela pedia e prometia que para a próxima se iria empenhar mais. E não descansava enquanto isso não acontecesse. Era menina de Quadro de Honra na escola. Aliás, nem outra coisa lhe era permitido. Toda a vida sentiu que só esperavam que tivesse sucesso em tudo o que fazia. Que se desse bem. Cresceu assim, a sentir que não havia espaço para erros. Melhor dizendo, não havia espaço para ficar a lamentar os erros. Não havia tempo. A vida era pequena demais para isso. Acabou o curso e ninguém deu por isso. Todos tinham coisas mais importantes em que pensar e ela não fazia mais do que a sua obrigação. Não era para isso que lhe tinham pago os estudos? Claro que sim!
Aprendeu a não se queixar, a agradecer a saúde, a sentir que era bom ter apenas uma enxaqueca de vez em quando. Lamentar-se para quê? Ainda nem tinha acabado a frase e já ouvia o eco de doenças piores, sempre mais graves do que o que lhe acontecia.
Com o amor foi a mesma coisa. Sempre. Não deu certo? Não há tempo para chiliques, para depressões. De todas as vezes que foi protagonista de uma história de amor deu tudo o que tinha. Acreditou e lutou. Fez desse amor a sua bandeira, a sua ocupação de 24 horas. E, mesmo assim, por motivos que nem ela mesma sabe, não dava certo. Paciência, temos pena. Limpa as lágrimas, vira a camisa do avesso e segue em frente, não há tempo para ficar a lamentar o que não tem remédio. Quem não nos acompanha é porque ficou para trás, é uma das suas normas de vida. E pronto, é isto!
O pior é à noite. Quando se desmaquilha e se vê como é. Quando está só consigo, no silêncio da casa. Quando pensa em tudo o que fez, em tudo o que disse, em todas as vezes que os outros não estiveram lá. A culpa é tua, repete em voz alta, uma e outra vez até fazer eco nos seus ouvidos. A partir de agora vai mostrar toda a sua fragilidade, promete à imagem que a olha do outro lado do espelho. O tempo das medalhas acabou. Porque está cansada de ser forte, de ser âncora, de ser farol...
quinta-feira, 9 de julho de 2015
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