quinta-feira, 9 de julho de 2015

Enquanto retirava a maquilhagem em frente ao espelho, ela não conseguia conter as lágrimas.  "Estou cansada de ser forte.  De cair e levantar-me do chão, como uma mola, tão depressa que os outros nem chegam a dar conta", pensava ela, sentindo que  os pensamentos eram temperados com o sal que lhe vinha dos olhos.
Toda a vida foi assim, nem ela sabe como é ser de outra forma.   Em pequena já negociava em casa para os irmãos se portarem bem, para que a mãe não tivesse incómodos, para que o pai gostasse das notas da escola... "pede desculpa ao teu pai por teres tido bom no teste", dizia-lhe a mãe.  E ela pedia e prometia que para a próxima se iria empenhar mais.  E não descansava enquanto isso não acontecesse.  Era menina de Quadro de Honra na escola.  Aliás, nem outra coisa lhe era permitido.  Toda a vida sentiu que só esperavam que tivesse sucesso em tudo o que fazia.  Que se desse bem.  Cresceu assim, a sentir que não havia espaço para erros.  Melhor dizendo, não havia espaço para ficar a lamentar os erros.  Não havia tempo.  A vida era pequena demais para isso.  Acabou o curso e ninguém deu por isso.  Todos tinham coisas mais importantes em que pensar e ela não fazia mais do que a sua obrigação.  Não era para isso que lhe tinham pago os estudos? Claro que sim!
Aprendeu a não se queixar, a agradecer a saúde, a sentir que era bom ter apenas uma enxaqueca de vez em quando.  Lamentar-se para quê?  Ainda nem tinha acabado a frase e já ouvia o eco de doenças piores, sempre mais graves do que o que lhe acontecia.
Com o amor foi a mesma coisa.  Sempre.  Não deu certo?  Não há tempo para chiliques, para depressões.  De todas as vezes que foi protagonista de uma história de amor deu tudo o que tinha.  Acreditou e lutou.  Fez desse amor a sua bandeira, a sua ocupação de 24 horas.  E, mesmo assim, por motivos que nem ela mesma sabe, não dava certo.  Paciência, temos pena.  Limpa as lágrimas, vira a camisa do avesso e segue em frente, não há tempo para ficar a lamentar o que não tem remédio.  Quem não nos acompanha é porque ficou para trás, é uma das suas normas de vida.  E pronto, é isto!
O pior é à noite.  Quando se desmaquilha e se vê como é.  Quando está só consigo, no silêncio da casa.  Quando pensa em tudo o que fez, em tudo o que disse, em todas as vezes que os outros não estiveram lá.  A culpa é tua, repete em voz alta, uma e outra vez até fazer eco nos seus ouvidos.  A partir de agora vai mostrar toda a sua fragilidade, promete à imagem que a olha do outro lado do espelho.  O tempo das medalhas acabou.  Porque está cansada de ser forte, de ser âncora, de ser farol...

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